domingo, 18 de outubro de 2009

Lembranças do Bartola

Ginásio Santa Bartoloméa Capitânio na década de 60
Estudei no Ginásio Santa Bartoloméa Capitânio – que a gente chamava carinhosamente de Bartola.

Fui pra lá com cinco anos de idade fazer o Jardim da Infância que, na época, era chamado de pré-primário.

Nos primeiros dias de aula fiz o que toda criança faz. Abri o berreiro. Minha mãe ia me deixar e quando ela me entregava para a freira e se afastava pra voltar pra casa eu chorava sem parar dizendo “eu quero a mamãe. Cadê a mamãe? Chama minha mãe”. Na segunda semana a madre superiora (era a diretora da escola), irmã Antonieta, disse para minha mãe que se eu continuasse chorando ela não me queria mais na escola. Parei de chorar, mas nunca consegui gostar da freira, uma morena baixinha. Ela era carrancuda, feia, má, nunca sorria. Mentira! Ela não era nada disso. É que eu tinha medo dela porque ameaça me mandar embora se eu chorasse, então arranjei todos estes defeitos pra ela e fiquei feliz quando ela foi substituída pela Irmã Rosa, uma freira alta, forte, grandona, rosto corado. Parecia uma portuguesona.

No pré I e II fui aluna de Irmã Tereza. Era branca, alta, magra e tinha os olhos claros. Foi com ela que aprendi o ABC, as cores, formas, contar de um a cem, escrever um monte de palavras e soletrar e ler. Sabe qual foi a primeira palavra que escrevi? Avião. Sim. Na primeira página do nosso caderno de caligrafia tinha o desenho de um avião e pedi logo que ela me ensinasse a escrever a-vi-ão. Pintei o aviãozinho de várias cores e escrevi a palavra um montão de vezes.

Da primeira a quarta série do primário minha professora foi a irmã Lúcia. Eu amava essa freira. Era linda, morena, baixinha, serena, amável, carinhosa, voz mansa. Nunca, mas nunca mesmo esqueci Irmã Lúcia.

O Bartola era uma escola impecável. O piso – de madeira – era encerado com esmero. Estava sempre brilhando. A entrada era pela Hamilton Silva. Do lado esquerdo um corredor imenso – que ia da entrada até a cantina lá no fim da escola. Ainda do lado esquerdo ficavam as salas de aula, a diretoria, os banheiros e a cantina. Uma quadra, com piso de alvenaria, ligava tudo ao lado direito – salas que a gente quase não tinha acesso, pois era o alojamento das freiras. Só numa a gente podia entrar – mas isso era raro. Era onde ficava a imagem de Nossa Senhora Menina, que parecia uma boneca deitada num bercinho.

Nosso uniforme era um luxo – o Bartola era a única escola particular na época. Saia pregueada de listas finas azuis e brancas, blusa branca e gravatinha. A gravata era feita do mesmo tecido da saia e trazia bordada as iniciais da escola: GSBC.

Antes de entrar em sala de aula, havia a formatura na quadra. Série por série formando fila indiana e todo mundo rezava o Pai Nosso, Ave Maria e Santo Anjo. Terminada a oração cada turma seguia para sua sala em fila indiana, claro. Como já disse pra vocês o piso da escola era impecável, as salas brilhavam de tanta limpeza, portanto, ninguém entrava ali com o sapato sujo. Em época de inverno, quando a lama pregava nos sapatos, estes ficavam arrumadinhos do lado de fora da sala.

Nas carteiras nenhum arranhão, nenhum risco. Cada aluna levava na pasta (não existia mochila) uma toalhinha azul de plástico para cobrir a carteira e nem na toalhinha podíamos rabiscar qualquer coisa. Nosso material escolar tinha que estar sempre limpo, arrumado, organizado. Livros e cadernos encapados com papel de presente. Lápis bem apontado e nada de roer ou quebrar. Borracha limpinha, como se fosse novinha.

Na hora do recreio, a saída era em fila indiana. Quem levava lancheira ia pra quadra lanchar. Quem não levava comprava o lanche na cantina sem furar a fila.

No Bartola, além de português, matemática, história, geografia, ciências e religião, a gente aprendia noções de higiene, postura, modo de se comportar à mesa, solidariedade, respeito aos mais velhos, amor ao próximo, dividir e ser humilde. Na sexta-feira depois do recreio tinha aula de religião. Quase ao final da aula eram distribuídos papeizinhos onde tínhamos que escrever nossos pecados – e eram pecados tão inocentes, como: “fulana me pediu um bombom e eu não dei”, “briguei com meu irmão”, “disse que minha colega era feia”, “comi leite em pó escondido de minha mãe”… Os papeizinhos eram colocados numa caixinha de papelão e íamos para o parquinho, ao lado da quadra, onde tinha uma estátua de Nossa Senhora. Ali fazíamos nossa oração, pedíamos perdão pelos nossos pecados e que Nossa Senhora abençoasse e protegesse todas nossas coleguinhas, nossas famílias, vizinhos, os enfermos etc etc. A caixinha com os nossos pecados era queimada. Pronto! Nossos pecados tinham virado fumaça. Estávamos perdoadas e a gente voltava pra casa se sentindo leve e feliz.

Toda vez que passo na frente do Bartola tenho vontade de entrar lá. Sei que cresceu muito, que deve estar muito diferente da minha época. É provável que o piso não seja mais de madeira. Imagino que seja de lajota. As paredes devem ser de alvenaria e as venezianas azuis das salas devem ter sido substituídas por outro tipo de janela.

Mas o que eu tenho uma grande curiosidade de saber é se ainda existe no parquinho a imagem da Nossa Senhora que perdoava os nossos pecados. Quero vê-la e quero ver de novo aquela Nossa Senhora Menina, igualzinha uma boneca no seu bercinho.

Ah, e antes que eu esqueça: durante todo o meu curso primário a menor nota que tirei foi 9,7.