Histórias do seu Eleuzípio Bem-Bem
Milton Sapiranga Barbosa, especial para o blog
José Borges Tavares, mais conhecido no bairro como seu Eleuzípio, era uma figura sem igual, do tipo inesquecível. Era dono de um raciocínio rápido e gostava de filosofar, como mostrarei mais adiante.
Ele morava no lado direito na subida da ladeira da Padre Júlio, quase no meio do quarteirão.
Funcionário do governo na fase de território, lotado no SAG,-Serviço de Administração Geral, usava uma bicicleta (que se chamarmos de velha, será elogio), mas que lhe servia para ir ao trabalho, às compras e visitar os amigos que moravam em outros bairros. Tinha um ciúme danado daquele traste, que chamava de bicicleta. Várias peças eram presas com arame, até o pneu dianteiro, que tinha um manchão, era todo intaniçado com arame para não aumentar o rasgo. Aquele monstrengo, para terem uma idéia melhor, além de tudo era torta, mas tão torta, que a roda dianteira ia no asfalto e a trazeira no chão batido. Era, como diz meu amigo Paulo Silva e a Alcilene gosta, uma bicicleta "querequequé"
Seus filhos mais velhos, Borges e Moacir, que ganhavam mais ou menos, queriam dar uma nova magrela pro pai Mas quem disse que ele queria se livrar daquele troço? Juro, não estou exagerando, quem ler esta crônica e conheceu o seu Eleuzípio, poderá comprovar.
Voltando aos filhos, cada um tinha uma bicicleta. A do Borges possuía até farol e a do Moacir era uma monarck zerada, comprada com seu primeiro salário de servidor municipal, onde exercia a nobre função de professor de matemática. Quando eles chegavam da rua, guardavam suas bicicletas embaixo do assoalho, que era alto, porque 80% do terreno era uma ladeira íngreme demais. Seu Eleuzípio também guardava lá seu mostrengo, só que atracado com uma grossa corrente e com um grande cadeado preso em suas extremidades. Um belo dia, ao ir pegar a magrela, seu Eleuzípio levou um susto: sua bicleta havia sumido mas as bicicletas dos moleques, novinhas e equipadas, estavam lá, jogadas sem nenhuma proteção, para indignação maior do seu Eleuzípio, que dizia: “esses moleques jogam suas bicicletas aí e o ladrão levou justamente a minha que estava atracada no esteio.” Até hoje penso que foi sacanagem do Moacir (o de moá) e do Borges, para poder dar uma bicicleta decente pro velho. E assim foi feito.
Falei no início do texto que seu Eleuzípio tinha raciocínio rápido e gostava de filosofar. Então vamos a comprovação: uma vez, na localidade de São José do Tucunaré, região do Curicaca, estávamos numa canoa pescando e de repente, zás, ele fisgara um peixe e perguntou: “ que peixe é esse?”, respondí: “mafurá”. E ele na hora: “me furar? eu é que vou furar este filho da fruta.” Noutra viagem, em companhia do filho Moacir e seu amigo Boquinha, em direção a Ponta de Pedra, no Pará, caiu um tremendo toró quando a embarcação, sem coberta, se encontrava no meio da baía. Fulo da vida por aquele banho inesperado, seu Eleuzípio filosofava: “é por essas e outras que às vezes eu não concordo com Deus. Pra que chover no rio. O rio já tem água e a maré ainda está enchendo.” E continuou: “agora chamar um pau torto de pernamanca, perna manca é um cara que anda mancando.” Seu Eleuzípio era único.
Por que Bem-Bem? Vou explicar. Nosso personagem, para aumentar a renda familiar e sustentar mulher e seis filhos, montou uma quitanda. Quando ele estava almoçando e batiam palmas na porta ele gritava: “Erba, vai ver quem está batendo!” A Elba (ele trocava o l pelo r) ia e voltava informando: “é um menino que quer comprar banana”. Aborrecido com a interrupção do almoço, seu Eleuzípio levantava e ia atender ao freguês, indagando: “ O que você quer, meu filho?” O moleque pra sacanear perguntava : “seu Leuzípio (descartando o e para apurrinhar ainda mais), tem banana?” e recebia como resposta: “meu filho, quer dizer teeer tem, mas não está bem, bem, bem, macia, macia. Daí ficar conhecido entre a molecada por seu Eleuzípio Bem-Bem.
Esse senhor que destaquei aqui, de quem ouvi muitas estórias engraçadas e joguei muito dominó, faz parte das boas lembranças de minha infância feliz, vivida no meu querido bairro da Favela.
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