Era uma vez São João...
Mariléia Maciel
O “Psiu” era o marcador de quadrilha mais importante do Laguinho, tamanha celebridade não era por ser o melhor, mas sim o mais presepeiro. De voz grave, o negro Anacleto não combinava com seu corpo franzino. De canela fina e esbranquiçada de poeira, (até hoje no Laguinho pede-se uma cerveja “canela do Psiu”) tinha ainda o jeito engraçado e cheio de pose de dar os comandos, além de geralmente antes do ensaio já ter passado pelo Tio Duca, Tabelão ou Pau da Marreca, botecos mais conhecidos do bairro. Não lembro de ter visto alguma quadrilha do Psiu se apresentando, mas que era o mais conhecido isso ninguém nega.
Tinha o “anarriê”, “balanciê”, “olha a chuva”, “é mentira”, “olha o formigueiro”, “também é mentira”, sem contar o serrote, maresia, mas o mais esperado, era a dança do beijo e da vassoura. A primeira por ser o momento de dar e ganhar bitocas e a outra pra dançar na roda com o par de nossa escolha. Os ensaios começavam no mês de maio pra alegria da molecada. No meio da rua, os pares se organizavam do menor para o maior pra ensaiar ao som do Rei do Baião e refrões de “olha pro céu meu amor, vê como ele tá lindo”. Os ensaios eram muito bons pra namorar, os sortudos tinham seu paquera ou pretendente como par, aí era a glória, dois meses de mãos dadas, todas as noites, era muita felicidade!
As roupas não precisavam ser todas iguais, cada um vinha como queria, ou podia. As moças de vestido de chita, os “cortes” eram comprados no Rei da Roupa ou Pernambucanas, enfeitados com rendas, fitas, fitilhos e patichouli, estes podiam ser encontrados no Bazar Brasil, Armarinho Colorado, Variedades ou Moderninha. Na cabeça, chapéu de palha com fita e flores de plástico na beirada. Nos pés, sapato com meia simples ou meia- calça. Pra caracterizar mais faltava só a maquiagem, essa sim era exagerada, muito batom, sombra, pó compacto e não podia esquecer as pintas e sinais feitos com lápis de olho.
Para os rapazes era mais simples, calça enfeitada com retalhos, camisa de chita, chapéu, e pra fazer o bigode bastava um pedaço de carvão ou rolha queimada. Era coleta pra comida, mutirão pra fazer bandeirinha de revista e arrumar a rua. Na festa, a quadrilha era atração principal, mas também tinha a escolha da miss caipira. As brincadeiras eram a pescaria, onde os prêmios não passavam de lápis e bonecas ou carrinhos de plásticos, quebra-pote e o pau-de-sebo. Mas isso era brincadeira de criança, pros maiores o bom era a “cadeia do amor” e o “correio sentimental”. Ótima oportunidade de se declarar e ter a chance de arrumar um namorado, o pior que podia acontecer era levar um fora e servir de chacota até o final do ano.
Na Mãe Luzia os ensaios eram esperados ansiosamente, foi o tempo de inocentes namoros e outros nem tanto. A minha madrinha Virgínia, que faleceu no ano passado, aproveitava pra reunir a molecada no aniversário de seu filho Pururuca (“aquele” Pururuca!) e nos dias dos santos. Depois de comer, íamos para a frente da casa passar fogueira, todos viravam compadre e comadre. Quando a fogueira chegava ao final cada um corria pra pegar em casa qualquer pedaço de carne, frango ou charque pra ser assado na brasa. Depois foi a vez dos meus filhos curtirem as festas de São João e como o Pedro Caio faz aniversário em junho, eu acabava passando o mês todo envolvida com bandeirinhas, foguetinhos, mingau e cocada. Foi tanta festa com o mesmo tema que o Caio chegou a pedir um aniversário “normal”, com brigadeiro e canudinhos em vez de beijo-de-moça e pé-de-moleque.
Há alguns anos não vejo mais quadrilhas tradicionais. Todas são uma mistura de feira agropecuária com carnaval e natal. Claro que as inovações são necessárias mas o que vi na UNA foge de qualquer conceito da cultura junina. São dezenas de “Grupos de Aproveitamento Folclóricos” que fazem da festa um comércio. Não sei quanto vale o prêmio, mas deve ser bom. Todos os grupos recebem um bom “incentivo” do Governo do Estado e Prefeitura. Cada um destes patrocinadores organiza o seu festival. No da Prefeitura a Federação que organiza a festa estava cobrando R$ 2,00 pra quem quisesse ver os grupos. Uma vez lá dentro não dá pra acreditar. Roupas de cetim e outros tecidos nobres, alcochoados, tanto brilho, lantejoulas e plumas que olhando de longe dava a impressão de estarmos no carnaval. Como diz a música mais tocada,
“só tem gente que brilha na minha quadrilha”. Palha e chita são coisas do passado.
No único dia em que fui, vi coisas inacreditáveis. Um grupo mostrou uma quadrilha do futuro, roupas prateadas e (absurdo!) pisca-pisca nas roupas (tá vendo como tem natal?). Não sei se foi essa ou outra que fez uma homenagem ao Mestre Biroba (coitado). Além dos “hits” de Alcimar Monteiro, tocado em praticamente todas apresentações, teve rock, funk, brega e creu!. Ah, pra não ser tão chata e injusta devo admitir que escutei algum forró e vi um cangaceiro, estilizado, mas era um cangaceiro! Os jurados recebem cachês e o resultado nunca agrada. Em anos anteriores teve coordenador e jurados que tinham que andar com seguranças depois de serem ameaçados e levar tapas na nuca pra aprender a julgar direito. A proprietária de um estabelecimento próximo à UNA disse que após uma das brigas um rapaz esfaqueado e sangrando veio cair em sua porta. É quadrilha de quê, mesmo? Em alguns dias a festa acabou 6:00 da manhã.
Lembro que “no meu tempo” quando acabavam as festas juninas já estávamos animados para o Macapá Verão com suas filas imensas na Veiga Cabral pro ônibus de Fazendinha e na volta às aulas (aleluia!), preparativos para os desfiles de 7 e 13 de setembro. Por falar nisso, mesmo tendo participado inúmeras vezes da Banda do IETA e ser uma saudosista de carteirinha, fico um pouco aliviada por não ter mais a competição das bandas. Já pensou? Seria vez do Mestre Oscar se revirar.
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