Artigo
O Amapá e o Príncipe, de Maquiavel
Yashá Gallazzi
Terminada a apuração eleitoral em Macapá, não posso dizer que o resultado das urnas me surpreende. Pelo contrário, eu já o esperava. Falei desde o primeiro momento que o candidato do governador não perderia a disputa, não importando o que precisaria ser feito para garantir o triunfo do Góes e a consolidação do atual grupo político que tomou de assalto as instituições públicas do Amapá.
O grupo hegemônico de poder construiu um tal arco de influências capaz de fazer inveja ao ditador da Venezuela, Hugo Chávez. Estão sob as ordens "da turma do azul" os três Senadores da República, praticamente todos os Deputados Federais, a maioria avassaladora da Assembléia Legislativa e a quase totalidade da Câmara de Vereadores. Não bastasse isso, ainda se curvam ao comando central a OAB/AP, a Defensoria Pública, o comando do Ministério Público Estadual e boa parte do Poder Judiciário. É pouco? Incluam aí também as rádios, as televisões e os jornais impressos, além da maior parte do empresariado e das lideranças evangélicas. A Prefeitura ainda não estava – ao menos oficialmente – sob o "manto azul". Agora está.
O Amapá está sob controle de uma força que aglutinou a maioria esmagadora dos partidos e das lideranças políticas em torno de um projeto familiar de poder que fincou, hoje, as bases necessárias para durar cerca de vinte ou trinta anos. Estamos a um passo da ditadura, a pior das ditaduras possíveis: aquela feita por meio do estupro e do vilipêndio das instituições e do sistema de liberdades democráticas. É o totalitarismo implantado por meio da ordem legal estabelecida, tendo como fim último a destruição desta mesma ordem em benefício daqueles que não têm escrúpulos em vencer eleições por meio da compra de votos, da coerção – física e psicológica – dos eleitores.
Sim, há os otimistas que enxergam na forte divisão eleitoral registrada neste pleito uma esperança de dias melhores. Não estou entre estes. Acho que o otimista é apenas uma pessoa mal informada sobre os fatos e os fatos acerca da situação sócio-política do Amapá são desalentadores. Enquanto o grupo que detém o poder puder contar com os recursos financeiros daquele cacique que foi escorraçado do Maranhão, será muito difícil acreditar em dias melhores. O auto-proclamado escritor – que só consegue algum reconhecimento em face da evidente pobreza literária que se verifica no Brasil atual – tem o poder de derramar tanto dinheiro quanto necessário para eleger seus aliados. Não tenham dúvidas: trata-se de uma máquina praticamente imbatível.
O que mais me empurra para o ceticismo em relação ao futuro do Amapá são alguns aspectos – como direi? – "curiosos" do chamado "jeito de ser do povo daqui." Sim, há pessoas contrárias ao projeto de poder comandado pelos "azuiszinhos". Sim, há gente de bem que se opõe ao achincalhamento da ordem democrática que está em curso no Amapá. Mas é impressionante a enorme – e majoritária – quantidade de gente que se deixa envolver pela pequenez terceiro-mundista daqueles que se pretendem a vanguarda política daqui. São pessoas – e grupos – que não estão nem um pouco preocupados com a situação miserável do estado e da cidade, só querem saber de encontrar um meio para ganhar algumas migalhas oriundas do banquete realizado com os recursos públicos. Há, no Amapá, gente demais convencida de que a única coisa que importa é tentar conseguir alguma vantagem por meio do conchavo e das negociações escusas. São pessoas que aceitaram o provincianismo rastaqüera e o subdesenvolvimento crônico deste estado, tudo em troca de algum privilégio mesquinho que lhes garanta a sensação de fazer parte do grupo dominante. Não fazem! São apenas instrumentos usados pela canalha para atacar as instituições, a democracia e a liberdade.
Há quem comemore e tenha esperanças nesta noite de 26 de outubro de 2008. Eu não. Olhemos friamente os fatos: somos o estado da federação que deu a Sarney sua maior e mais expressiva vitória eleitoral, permitindo ao Senador uma sobrevida que o nordeste tão pobre e dependente insiste em lhe negar reiteradamente. Um povo capaz disso não pode ter muitos auspícios positivos. Somos a vanguarda do atraso, o último grande rincão do país, a única capital do Brasil onde o povo não é dono do seu destino. Estamos nas mãos deles. Podem fazer o que quiserem, como quiserem e quando quiserem.
Aos que insistem em nutrir alguma esperança, digo que o Amapá precisará de observadores da ONU e do exército nas próximas eleições. Aliás, talvez seja melhor pedir ajuda diretamente à OTAN e seus soldados. Não somos mais donos de nossas vidas, nem dispomos de faculdades mentais suficientes para extirpar a corja que se aboletou no poder. Reconheçamos nossa situação temerária. Só depois de aceitar a lama em que estamos enterrados até o pescoço é que poderemos pensar em melhorar. E que se note bem: eu disse pensar. Para melhorar, de fato, será preciso muito mais.
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