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sexta-feira, 20 de junho de 2008

Chuvas e lembranças

Heraldo Costa

Estava outro dia em casa e minha atenção foi despertada pelo barulho da molecada na rua. Eles faziam aquela algazarra tomando banho de chuva, chutando bola, correndo pro abraço depois de um gol imaginário, numa trave de sonhos. Livres, felizes, distantes do mundo dos adultos que se tomarem um banho desses é resfriado na certa nos dias seguintes.

Estive conversando com os de mais idade, e pude ouvir relatos que nunca tinham visto o mês de junho começar com tanta chuva. Tanta chuva que há tantos anos assim não via.

Muita chuva mesmo que me recordo da expressão meiga de uma parteira tradicional, bem idosa, que deu uma certa entrevista. Essa parteira participava daqueles encontros promovidos pela Deputada Janete, quando primeira dama e ao ser perguntada se já fizera muitos partos, respondeu com aquele palavriado gostoso do pessoal do interior, que me fez lembrar minha avó: - Ih meu filho. Já 'fez' parto até por 'debá' de 'chôva' e.... 'chôva'.

A resposta faz a gente sentir que, em certas regiões do Estado, chove muito mais que na capital. É muita 'chôva'.

Essas chuvas me trazem muitas recordações. Algumas boas, outras nem tanto, algumas que trazem apreensão, outras felicidades.

Recordações que, inevitavelmente vêm à mente quando passamos por determinados lugares antes intrafegáveis, e que hoje nos vê, 'gabolas' passarmos a toda, sem dar bola. Por falar nisso, outro dia passei pela localidade do "Breu", município de Amapá, onde, há 20 anos, fiquei dois dias esperando pra 'atravessar' pro outro lado do igarapé que se formou bem no meio da BR 156.

Observo que atualmente tem caído a tal da 'chuva branca', que é aquela que minha avó dizia que chovia a noite toda, compassada, igual batida do coração, quando faz o barulhinho na 'biqueira'.

Nesses dias é gostoso estar numa casa de telhado, para poder dormir ao som dos pingos. Essas recordações, tal qual a chuva, vai inundando meu coração, bem devagarzinho, igual chuva fina, encharcando e tirando a sequidão.

É inevitável que, em dias de chuva, ao ver aquela cortina de água caindo dos telhados, as lembranças fluam com mais intensidade.

Estive lendo várias obras sobre essas lembranças, mas quero brindar a todos com o poema de Carmem Vervloet, que retrata com profundidade as lembranças trazidas pela chuva. Leiam e recordem.

Boas Chuvas.

Chuva de Lembranças

Como é bom ter olhos para ver o mundo!
O céu nublado olhado de um jeito profundo!
Escoando chuva miúda, límpida, fina...
Regando meu amado jardim, com água tão cristalina!
O verde relaxante das folhagens que vem e vão...
Contrastando com flores coloridas que gratuitamente se dão...
Flores e folhagens unidas num perfeito casamento,
Embalando sonhos lindos, trazendo a tona latente sentimento.

Volto ao tempo de infância...
E a chuva, as flores, o cheiro de terra molhada...
Trazem a saudade, o perfume, a fragrância...
Dos tempos felizes de criança,
Vividos na casa caiada...

Vejo-me a caçar borboletas...
O riso fácil, os pés descalços pisando a lama macia!
Ouço a voz de mamãe: "Menina sem juízo, vais ficar doente"!
E a voz de papai, que para ouvir novamente tudo daria!...
"Velha, deixe a menina, isto faz bem, ela está contente"!

E nas noites bordadas de chuva,
Papai, velhas histórias de família, a contar...
E eu agachada a seus pés, excitada,
Com os olhos qual um sol a brilhar...
Queria saber de tudo, queria eternizar o momento,
Para sentir da sua voz o calor...
Que no frio da minha terra me aquecia com amor.

E em cada gota de chuva que cai no meu jardim...
Lembranças de momentos vividos...
Brancos, imaculados como o jasmim.
Momentos de ternura que voaram ligeiros...
Como os pássaros que agora da chuva querem se abrigar...
Momentos de aconchego
Que só o calor de uma família feliz pôde dar!

Momentos que no tempo passaram...
Mas em mim eternamente ficaram...
Momentos do passado, mas que em mim estão presentes...
Momentos que me questionam,
Quando num futuro ameaçador penso estar ausente.
Tantos momentos felizes,
Incontáveis como as gotas de chuva
Que agora o céu escoa...
Momentos cristalizados no coração da menina
Que continua correndo atrás da borboleta esperança que voa...

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Ricardo Pontes no Projeto Lamparina

O professor e poeta Ricardo Pontes participa do Projeto Lamparina - alumiando a cultura amapaense. Ele será um dos debatedores da mesa redonda sobre Literatura Amapaense. Além disso estará no "Bate-papo com escritor", no sarau e nas tardes de autógrafo.
Ricardo Augusto dos Santos Pontes, é professor, formado em Licenciatura Plena em Letras e Marketing e Comunicação, publicou os livros Raízes do Amanhã e Gotas da Imaginação e o CD Acalantos Poéticos.
Fundou, com José Pastana e Leão Zagury, o Clube dos Poetas.
foi premiado em Belém-Pará com o Projeto Fórum Literário da Amazônia, junto com José Pastana e Leão Zagury, Participou da XVII Feira Panamazon do Livro como palestrante sobre o tema "Existe Literatura na Amazônia?".
Foi premiado em Belém do Pará com o Projeto Fórum Literário da Amazônia e este ano recebeu do Conselho de Cultura do Amapá o prêmio Pitumbora por sua luta pela valorização da cultura amapaense.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Lira de Prata no projeto Lamparina

A orquestra Lira de Prata, da escola de música Walkíria Lima, fará uma belíssima apresentação dia 18, terça-feira, nas escadarias do Teatro das Bacabeiras a partir das 17h, no lançamento do projeto Lamparina - alumiando a cultura amapaense.
Da programação de lançamento constam ainda abertura da feira de livros e de exposição de artes plásticas, lançamento de livros, declamação de poesias, bate-papo com o escritor e palestra e debate sobre marketing cultural, tendo como palestrante Ivan Carlo, professor universitário, escritor, jornalista e roteirista de quadrinhos. Conhecido internacionalmente como Gian Danton, e diversas vezes premiado,Ivan Carlo figura entre os mais famosos roteiristas de quadrinho do mundo.
O projeto "Lamparina - alumiando a cultura amapaense" é uma realização da Associação Amapaense de Escritores com o patrocínio da Caixa Econômica Federal.
O Teatro das Bacabeiras e o grupo Abeporá das Palavras são parceiros do projeto que conta ainda com o apoio dos blogs Alcinéa Cavalcante, Repiquete, Notícias Daqui, Chico Terra, entre outros.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Lamparina - alumiando a cultura amapaense

Feira de livros, saraus, exposição de artes plásticas, lançamento de livros e debates sobre literatura amapaense, jornalismo cultural, artes plásticas, marketing cultural e leis de incentivo à cultura fazem parte do Projeto Lamparina, que será realizado de 18 a 21 de dezembro no Teatro das Bacabeiras, com o patrocínio da Caixa Econômica Federal.
Este blog estará divulgando tudo sobre o Lamparina e já avisa que quem quiser participar deve entrar em contato com os organizadores do evento pelos telefones 9971-2861, 9115-9837 e 9965-6570.
Então, vamos lá. Entre em contato com os organizadores e participe de tardes de autógrafo, cante sua música, declame sua poesia, enfim, aproveite a luz da Lamparina para dar visibilidade a sua obra.

Depois eu dou outros telefones e a relação de blogs que estarão apoiando o Lamparina.

domingo, 25 de novembro de 2007

Praça da Poesia

O prefeito João Henrique (de camisa azul escura) e os poetas na Praça
A Floriano Peixoto – a praça mais bela de Macapá – agora é também a Praça da Poesia. Desde sexta-feira pode-se caminhar entre poemas à margem do lago natural. O projeto “Praça da Poesia” foi inaugurado sexta-feira pela Prefeitura de Macapá com a fixação de 30 placas com trechos de poemas de poetas do Amapá e de outros estados da Amazônia. A idéia, encampada pelo prefeito João Henrique, foi do grupo Abeporá das Palavras, presidido pela professora e poeta Carla Nobre.
“É um reconhecimento para com os nossos poetas, mostrando o quanto seus versos são importantes para constituir nosso patrimônio imaterial e, portanto, nossa história tucuju”, disse o prefeito no ato de inauguração. João Henrique leu poesias, cantou e prometeu que a partir de agora dará mais apoio à literatura amapaense. O próximo passo da Prefeitura será a publicação de uma antologia destes 30 poetas como parte da programação dos 250 anos de fundação de Macapá, em fevereiro do ano que vem.
“Macapá fica mais bonita e mais terna com a poesia espalhada pelas praças da cidade”, disse o escritor Paulo Tarso, presidente da Associação Amapaense de Escritores.
Nas fotos abaixo: a poeta Carla Nobre e o prefeito João Henrique; eu e a poesia de meu pai Alcy Araújo; o poeta Paulo Ronaldo (Amanhã eu publico mais fotos)



POETAS HOMENAGEADOS:
Álvaro da Cunha
Alci de Jesus
Alcinéa Cavalcante
Alcy Araújo Cavalcante
Aluízio da Cunha
Antônio Juraci Siqueira
Aracy Mont’Alverne
Aroldo Pedrosa
Arthur Nery Marinho
Carla Nobre
Cordeiro Gomes
Elíude Viana
Fernando Canto
Herbert Emanuel
Isnard Lima
Ivo Torres
Janete Santos
José Pastana
Leão Zagury
Manuel Bispo Corrêa
Obdias Araújo
Paulo Ronaldo
Paulo Tarso
Ricardo Pontes
Sílvio Leopoldo
Vandério Pantoja
Thiago de Mello (Amazonas)
Rui do Carmo (Pará)
Paes Loureiro (Pará)
Eliakin Rufino (Roraima)

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

RUMO - A revista que projetou o Amapá


Dois mil e sete é o ano que marca o cinqüentenário de lançamento da revista Rumo, a realização de um sonho de poetas, intelectuais e jornalistas amapaenses. Totalmente produzida no Amapá, a Rumo circulou em todo o Brasil e contava com correspondentes em vários estados. Era uma revista mensal e foi fundada por Ivo Torres, Alcy Araújo, Arthur Nery Marinho,Vilma Torres, Aluízio da Cunha, entre outros.

Considerada uma publicação de alta qualidade, foi identificada por críticos literários e renomados autores como um veículo de difusão cultural dos mais importantes do país. O primeiro número, que circulou em novembro de 1957, mostrava a participação do Amapá pela primeira vez em um Congresso Nacional de Jornalistas. Foi o VII Congresso, realizado em setembro daquele ano marcando o cinqüentenário da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). E o Amapá foi representado por Alcy Araújo.

O jornalista aproveitou a viagem para conhecer Brasília "e os trabalhos que se realizam no Planalto goiano para a instalação da futura capital do país". Isto rendeu a matéria "Brasília – obra de saneadores, artistas e poetas", tendo como subtítulo "Pioneirismo e técnica moderna erguem a cidade do futuro – Uma visita aos verdes altiplanos de Goiás".

Uma matéria assinada por John H. Newman abordava a cultura da seringueira no Amapá, enquanto Paul Ledoux escrevia sobre agricultura, silvicultura e pecuária, e Amaury Farias sobre latifúndio; "A música no Território Federal do Amapá" era também destaque na primeira edição da Rumo, com matéria assinada por Mavil Serret, o pseudônimo de Vilma Torres.

Esta edição trazia também poemas de Fernando Pessoa, uma página de ciências, uma de economia e finanças, contos de Guy de Maupassant e de Almeida Fischer. Noticiava a morte do escritor José Lins do Rêgo, falava de teatro, de educação e traçava um perfil histórico de Macapá.

A revista – que trazia artigos e reportagens enfocando os mais importantes movimentos artísticos e culturais do Amapá, do Brasil e do exterior – inseriu a cultura amapaense no contexto nacional. Suas páginas recheadas de teatro, música, folclore, sabedoria popular, eram freqüentadas por ícones da época.
Por sua envergadura, a Rumo chegou a ter projeção internacional. "A Rumo conduz e explica o Amapá", escreveu o ensaísta Osório Nunes. Uma crítica publicada no suplemento literário do jornal Diário de Minas, em outubro de 1958, assim se expressou sobre a revista: "Encontramos suas raízes na Semana de Arte Moderna. A sua vida constitui um resultado de descentralização cultural que houve a partir daquela data e que cada vez se acentua. Se fôssemos um Carlos Drummond, Mário de Andrade, um Vinícius de Morais ou Aníbal Machado, nada nos alegraria mais do que nos saber lido lá pelos confins do Brasil, no Amapá."

Num tempo em que livros eram praticamente instrumentos de uma pequena elite, o jornalismo passou a ser utilizado como uma forma de intervenção social. Naquele momento o jornalismo tinha mais importância do que a literatura, porque ajudou a criar o impacto para despertar a sociedade mexendo com as pessoas. Para haver literatura era preciso um conjunto de coisas funcionando a um só tempo: crítica literária, leitores, debate, produção de livros, escolas... como um conjunto de elementos articulados. Daí a necessidade e a pertinência da revista Rumo, responsável pela articulação de todo um movimento que se consolidou com a projeção da obra intelectual do grupo de escritores amapaenses para além das fronteiras do Amapá.

A promoção do debate levou a revista a criar outros mecanismos de apoio à produção literária. E assim nasceu a Editora Rumo, que viria a publicar em 1960 a antologia Modernos Poetas do Amapá, o livro Quem explorou quem no contrato do manganês do Amapá, de Álvaro da Cunha (1962), e Autogeografia, livro de poesias e crônicas de Alcy Araújo (1965). A revista Rumo também deu origem ao Clube de Arte Rumo, que reunia poetas, pintores, músicos e artistas de teatro para discutir o que se fazia no Amapá e no Brasil no campo da literatura, da música e das artes cênicas e plásticas. Ao mesmo tempo em que promovia concursos de crônicas e poesias na busca de novos talentos.
















Na foto acima Ivo Torres e Álvaro da Cunha no lançamento da antologia Modernos Poetas do Amapá, editada pela Rumo.Na foto ao lado, Alcy Araújo autografando a antologia (1960)

domingo, 22 de julho de 2007

Um poema de Isnard Lima

GATOS EM AZUL
Há uma decoração estranha
no bar em que bebo:
Onze gatos
Mostrando o pulo azul
De um
Ágil Gato Azul
Tu pulas
Inexistente
Diferente
Azul
Fazes pensar
Que no meu bar
Há um estranho
Mais do que estranho
Que um estranho
Dentro do bar
Poeta, escritor, advogado e boêmio, Isnard Brandão Lima Filho, meu compadre, nasceu em Manaus em 1º de novembro de 1941 e veio para Macapá em 1949. Publicou dois livros: Rosas para a Madrugada (poemas, 1968) e Malabar Azul (crônicas, 1995). Morreu em 11 de julho de 2002 deixando inacabado um livro de memórias e pronta para a publicação a coletânea poética Seiva da Energia Radiante.

domingo, 15 de julho de 2007

Poetas do Amapá

Domingo tem que ter beleza, lirismo, poesia.

CIDADE GRANDE
Alcy Araújo Cavalcante
Sei
: o anjo lírico
que guarda minha ternura
ouve o silêncio
que nasce na rosa.
Sei mais
: o poeta louco
das ruas do meu mundo
fala a gramática do jardim.
Mais ainda
: o meu doido lúcido
inchado de onírica lucidez
tem orquídeas nos seus galhos.
E também
: a namorada morena
que aquece os meus lençóis
absorve a essência das flores.
Na cidade grande
distante dos meus longes
carente dos meus verdes
entro no mercado de concreto
e compro rosas.

MEUS OLHOS FALAM TÃO POUCO
Paulo Tarso Barros
Às vezes,
por corpo eu tenho o Universo
e o meu coração
torna-se uma estrela.
Por isso
não decifro as sombras
ocultas pelas coisas;
Por isso sou triste
e os meus olhos falam tão pouco
a linguagem do silêncio.

EMERSÃO
Fernando Canto
Só se aprende o mundo
se se sai do fundo.
Só se sai do fundo
se se aprende o mundo.
Entre o ar e a água
entre o nado e o vôo
não prefiro a terra
não me quero chão.
Me quero fluido
no limbo, no vão.

VIDA
Paulo Ronaldo Almeida
O repórter policial
reza para Deus
e pede um bom dia.
Para ele, bom dia,
significa desgraça, morte
e dor no submundo da cidade.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Poetas do Amapá

ÊXTASE
Isnard Lima
O Universo
que eu amo
puro
impuro
mau
e santo
repousa nas mãos
de um Poeta
maior que o mundo
Deus!
Deus!
Deus!
(Do livro "Rosas para a madrugada")

CONTATO
Eliude Viana
A chave da partida
do teu carro
está ligada
às acelerações
involuntárias
do meu peito.
(Do livro "Vestes da Alma", Macapá-AP, 1997)

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Poetas do Amapá

Poema com destino à Noruega
Alcy Araújo Cavalcante

Eu ando com a cabeça baixa e dolorida
tateando na sombra dos guindastes
o corpo flácido das mulheres das docas
dentro da noite no cais.
Por que passam por mim tantos
marinheiros, navios, ondas balouçantes?
Se eu pudesse
descansaria a cabeça dolorida
num saco, num fardo, numa caixa,
depois escreveria um poema simples
e montava-o na onda com destino à Noruega.
E a moça loira que o lesse ao sol da meia-noite
não saberia nunca que sou negro, fumo liamba
e tenho as mãos revoltadas e calosas.
(Do livro Autogeografia - Macapá-AP - 1965)

Vesperal
José Edson dos Santos

Tua boca
de tomate e vodca
contrasta a tarde
metódica
a invadir a dialética dos
sentidos.
(Do livro Bolero em noite de cinza - Brasília, 1995)

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Poetas do Amapá

BOA NOITE, POEMA
Paulo Tarso Barros
Boa noite, poema.
Uma lua sequer
há no céu dessa cidade,
mas no rio noturno
onde abasteço meu ser
os peixes desenham
um arco-íris aquático.
(Do livro Inventário das Buscas)

LIRISMO
Alcy Araújo Cavalcante
Não,
eu não te darei um mal-me-quer.
Eu te darei
uma rosa de todo ano
e uma estrela
e uma lua branca
muito branca
um lírio
- porque os polichinelos ficaram inanimados
no bazar.

Depois
farei o poema do nosso primeiro beijo
recostarás tua cabeça no meu peito
e meus dedos compridos
acariciação os teus cabelos
e Deus saberá que nós estamos nos amando
porque haverá luz
e um grande silêncio
no pensamento das coisas.
(Do livro Autogeografia)

NOTÍVAGO URBANO
Manoel Bispo Corrêa
Tateando as paredes da noite
em busca do elo perdido
os dedos do homem anonimado
tocam partituras de silêncios
na impossibilidade previsível
de contar em seus limites
tamanho desconforto e solidão.
(Do livro Canto dos meus cantares)

PLATÔNICO
Obdias Araújo
Eu te desejo
Te dispo
imagino
te vejo
te visto novamente
e te desejo.
Nem sei porque
mas te desejo
Não existe motivo
: não morro
não vivo
não bebo
nem como
às expensas de ti
mas te desejo
Te amo
Te como com unhas e dentes
com olhos e mentes
e cada vez mais
dia após dia
eu te desejo
(Do livro Praça Pinga Poesia & Mágoa)

CARTA
Arthur Nery Marinho
Esperei por você. Você não veio.
Eu fiquei triste, mas não disse nada.
É que o silêncio é bom. Boca calada
é prudência e não quer dizer receio.

Aprendi a ser só. A tudo alheio
não procuro saber se a madrugada
de amanhã surgirá embraseada,
ou se terá um horizonte feio.

Sou hoje aquele que no fim da tarde
se vai embora, sem nenhum alarde
e quase sempre caminhando a esmo.

E se alguém me pergunta onde é que moro,
prego mentira e de vergonha coro,
pois não moro nem dentro de mim mesmo.
(Do livro Sermão de Mágoa)

sábado, 31 de março de 2007

Álvaro da Cunha: um poeta a serviço do Amapá

“Tu sabes que onde eu for
Amapá
irá o amor
amor que a tua paisagem
de sonho acenderá
no mais profundo
e lírico sial
de que sou feito e contrafeito.
Meu olho oral
vê e fala do teu ar
do teu céu
do teu mar
das tuas florestas.”

Esta declaração de amor ao Amapá é parte do poema “Amapacanto” de Álvaro da Cunha, poeta que carregava na alma a paisagem amapaense.
Nascido em 5 de agosto de 1923 em Belém do Pará, o poeta veio para o Amapá com 23 anos de idade, onde desempenhou cargos e funções de relevo na administração, como a presidência da Companhia de Eletricidade do Amapá. Fundou e colaborou com várias revistas literárias, como a Rumo, Mensagem e Latitude Zero.
Faz parte da primeira geração de poetas do Território Federal do Amapá, ao lado de nomes como Alcy Araújo, Ivo Torres, Aluísio Cunha e Arthur Nery Marinho. Estes cinco movimentaram o setor cultural amapaense, fundando revistas, criando clubes de artes e editoras, promovendo noites lítero-musicais e cursos de teatro e artes plásticas.
Sobre Álvaro, Alcy dizia que era “ um poeta a serviço do Amapá”. Estudioso dos problemas da região, escreveu a mais importante obra sobre a exploração do manganês: o livro “Quem explorou quem no contrato do manganês”. Por causa desse livro sofreu perseguições, inclusive do governo federal, e teve que deixar o Amapá e se estabelecer no Rio de Janeiro, onde atuou no setor privado como técnico e diretor de escritórios de consultoria especializados em planejamento econômico.
Foi embora, mas não perdeu os laços com esta terra onde, segundo ele, em vez de criar poemas “recolhia-os já feitos na paisagem”.
Alcy Araújo dizia que Álvaro nunca se liberou do sol da Latitude Zero. “Álvaro não desassumiu também sua deslumbrada e aberta responsabilidade de usuário, de amante e intérprete do verde incomum da Latitude Zero”, disse Alcy no prefácio do livro Amapacanto, considerado um atlas poético dessa região. “O Amapacanto, lançado em 1989, é uma verdadeira exaltação ao Amapá”, afirma o presidente da Associação Amapaense de Escritores, Paulo Tarso.
Além de Amapacanto e de Quem explorou quem no contrato de manganês, Álvaro lançou também Pássaros de Chumbo, em 1961 no Rio de Janeiro, e figura na antologia Modernos Poetas do Amapá.
Há centenas de poemas seus publicados em jornais e revistas do Amapá, Pará e Rio de Janeiro, que deveriam ser organizados numa rica antologia para que a nova e as futuras gerações possam conhecer um dos maiores poetas modernistas da região Norte.
Interessante também que se resgatasse os artigos publicados por Álvaro da Cunha, onde ele já denunciava crimes contra o meio ambiente numa época em que pouca gente falava sobre isso. Há também artigos combatendo a pesca predatória na costa do Amapá, a exploração ilegal da madeira, do ouro e de tantos outros recursos naturais da Amazônia.
Álvaro Cândido Botelho da Cunha morreu no Rio de Janeiro em 22 de fevereiro de 1995.
“A gente se perdeu
Amapá e eu há muitos anos.
logo nós dois
tão semelhantes e afins
que parecíamos drágeas da mesma vagem
múltiplos mútuos
grãos germinados gêmeos um do outro”

MISERERE
Álvaro da Cunha
A mulher operária tinha o ventre achatado pelo peso da fome. Levantei-lhe a cabeça, perguntei o seu nome e a sineta soou. Era a hora do almoço. A mulher abaixou-se, sacudiu o menino, o menino acordou. A mulher operária tinha o ventre achatado pelo peso da fome. Cuspiu sobre os seios – eram uns seios sem leite – e a criança mamou.
- Tomei nota em meu livro, e alguém protestou.
Outra vez fui às docas. Conversei com Maria, na “Pensão da Estiva, e Maria explicou:
O meu homem me obriga a trabalhar para ele. Chega tonto de sono, e eu tonta de amor. Nos seus lábios tem éter, licor, ambrosia, mas os beijos que trazem são beijos cansados, desses beijos pesados, de amargo sabor.
- Registrei em meu livro, e alguém protestou.
A menina passava. A roupinha de trapos, a carinha mirrada, o corpinho franzino. Dei-lhe um copo com água, pus-lhe as mãos no cabelo, e a criança chorou.
- Mencionei no meu livro, e alguém protestou.
No irmão da menina, os dois olhos abertos eram duas estrelas que a lama ofuscou. Ele estava tão sujo, e olhava o meu terno com tanto interesse, que o embrulho de peixe escorreu-lhe das mãos e ele nem reparou.
Recuei assustado; encerrei o meu livro e joguei-o nas águas, mas o livro boiou. Apanhei-o com nojo. Rasguei-o em pedaços. E a angústia passou.
- Para que registrar as misérias da vida?
- Para que registrar? ... minha voz repetia
e ninguém protestou.