Haroldo Franco e o Jornal do Povo
Há exatos 67 anos nascia Haroldo José Pantoja Franco, talvez o mais polêmico e mais ousado jornalista amapaense. E há exatos 25 anos ele morria.
Conheci Haroldo Franco quando eu ainda era criança e ele um jovem que se destacava por sua inteligência e ousadia. Sua casa fazia fundos com a nossa e ele tinha um carinho muito grande por meus pais e brincava comigo me chamando de “bonequinha” ou “princesinha”.
Meus pais foram seus padrinhos de casamento a ainda lembro, embora sem muita nitidez, da recepção na casa de Dona Lali, sua mãe.
Haroldo foi professor de Filosofia na Universidade Federal do Pará, mas sua paixão mesmo era o jornalismo e chegou a ocupar os mais altos cargos nas redações paraenses, como o de editor-geral do Estado do Pará, hoje Diário do Pará.
No Amapá fundou vários jornais, mas o que fez história foi o Jornal do Povo – o primeiro jornal diário do Amapá. Era muita ousadia naquela época, início dos anos 70, pensar em fazer jornal diário aqui. Haroldo não só pensou. Fez.
Num prédio na avenida Diógenes Silva, quase esquina com a Leopoldo Machado, montou a oficina (ainda era o tempo da linotipo), a redação (com aquela mesa enorme com várias máquinas remington), o laboratório fotográfico (na época se usava clichê) e administração.
Como Macapá era carente de profissionais, Haroldo trouxe os gráficos de Belém. Entre eles o bonachão Maxico, um coroa de cabelos grisalhos e rosto corado, que nos encantava contando histórias de jornais paraenses.
Para comandar a redação foi buscar em Belém o Walmir Botelho (editor de O Liberal) e no Acre o Élson Martins, o primeiro para atuar como diretor de redação e o segundo como chefe de reportagem. José Mendonça,que veio não lembro de onde, era o diagramador – que chamam hoje de formatador. Diagramar um jornal naquela época não era fácil. Tinha que calcular e desenhar a página com canetas vermelha e azul numa folha lisa. Mais tarde surgiu a folha quadriculada, já dividida em colunas, o que facilitava um pouco o trabalho do diagramador. Hoje se faz tudo no computador.
Fizeram parte da primeira equipe do Jornal do Povo, eu, Edevaldo Leal (hoje advogado), Odilardo Lima (hoje delegado de polícia), Fernando Rodrigues (hoje historiador) e seu irmão Raimundo Rodrigues (hoje economista e professor universitário). A coluna social ficou por conta de Maria Augusta Ventura e os editoriais eram feitos pelo veterano jornalista Alcy Araújo. Horácio Marinho era o fotógrafo e o professor Estácio Vidal Picanço escrevia uma coluna. Gentil e Biló eram os jornaleiros, que saiam pela ruas gritando a manchete. Mais tarde vieram o Corrêa Neto, o José Júlio Nunes entre outros.
Não! Não era fácil fazer jornal diário naquela época. Macapá era um ovo, quase nada de grande importância acontecia por aqui, portanto tínhamos que tirar leite de pedra. E a gente tirava com o maior entusiasmo e assimilando as lições que nos eram repassadas por Haroldo Franco, Alcy Araújo, Walmir Botelho, Élson Martins e mais tarde Corrêa Neto.
Curiosa, inquieta e com sede de aprender – e com esse time para me ensinar – eu trabalhei em todas as editorias do Jornal do Povo. Cobria esporte, cidade, política, cultura, visita de ministros e de presidente da República. Ano passado, no blog Repiquete, Élson Martins se referindo a mim disse que “tinha lido naquele tempo (início dos anos setenta), no seu olhar atento, a inquietude de uma repórter.”
Foi no Jornal do Povo, em 1975, que ganhei meus primeiros prêmios como jornalista, medalhas de Honra ao Mérito da Federação Amapaense de Desportos (atual Federação Amapaense de Futebol) e Academia Osélio Silva, diplomas de Honra ao Mérito de entidades culturais e das federações de vôlei, basquete e natação, votos de congratulações de Câmaras de Vereadores, entre outras honrarias. Entrevistei ministros, celebridades, craques do futebol, artistas e anônimos. Certa vez o Haroldo Franco escreveu um artigo onde dizia que eu estava trilhando com muita competência e responsabilidade o caminho do meu pai Alcy Araújo e que eu sabia entrevistar, com o mesmo respeito, tanto o operário suado como o ministro engravatado. Isso me estimulou bastante.
Ah, naquela época eu era a única mulher repórter no Amapá e talvez a única no Brasil a fazer reportagem esportiva.
Não lembro por quanto tempo o JP se manteve diário, pois no final de 1975 fui para o jornal “O Estado do Pará”, e logo depois segui para o Rio de Janeiro para fazer faculdade. Quando voltei o jornal não era mais diário. Era semanal e rodado em off-set em Belém. Ainda cheguei a fazer, junto com Fernando Rodrigues, uma coluna política, por um curto período. Depois fui para outro jornal, também semanal.
No dia 13 de janeiro de 1984 eu não estava em Macapá. Soube, através de um telefonema de minha mãe, que fizeram para o Haroldo, na redação do Jornal, uma festa surpresa em comemoração aos 42 anos dele. Foram tantas homenagens e tantas emoções que o coração do meu amigo não agüentou.
Já se passaram 25 anos, mas sempre que penso nele uma lágrima teima em cair.
Eu teria muito para contar sobre o Haroldo e o Jornal do Povo. Mas deixo para contar outro dia, pois agora essa lagrimazinha teimosa começa a cair me impedindo de ver com nitidez o teclado e a tela do computador.
Então tá combinado. Outro dia eu conto algumas coisinhas pra vocês, como:
- O que tinha no cofre do Haroldo que deixava todo corrupto tremendo de medo
- O dia que a PF apreendeu o jornal
- A bomba que colocaram no carro do Haroldo com um aviso
- Repórter HF - a coluna que ele escrevia
- Chantal, Chantal, um dia eu chego lá.
- Sorry, periferia
- O Fusquinha do Corrêa que dava carona pra todo mundo
- A história das reportagens sobre uma casa mal assombrada, um homem nu e macumba no futebol
- O repórter do JP que morria de medo de visagem
- O horóscopo do JP
- As brincadeiras que rolavam na redação
- etc etc etc
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