terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Direito de Opinião

Yashá Gallazzi, do blog Construindo o Pensamento

No último dia 26 de outubro eu escrevi este texto. Tratei, como é óbvio, da gravíssima situação política e social que a meu aviso caracteriza este estado do Amapá.

Alguns dias depois, descobri que o citado texto não agradou a algumas pessoas. Fui notificado por um gentil oficial de justiça para prestar alguns esclarecimentos judiciais acerca do que escrevi. A ação, movida contra mim pela Advocacia-Geral da União (AGU), foi solicitada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE/AP) - representado por seu douto Presidente.

Como é de se supor, o episódio me deixa um tanto chocado. Quem – como eu – acredita firmemente na democracia e no seu sistema de liberdades individuais, nunca consegue compreender com facilidade a “tribunalização” da controvérsia e do direito de expressão. Exatamente daí vem o meu espanto. Espanto, não surpresa. E por que não há surpresa? Porque não vejo alguns dos fundamentos mais basilares de uma sociedade democrática – como a liberdade de expressão – plenamente presentes no Amapá. É, sem dúvida, uma pena. Para o Amapá, é claro. Não para mim.

Mencionei no início que a tal ação foi movida pela AGU. Sim, aquela mesma que é incumbida de defender e prestar consultoria ao Poder Executivo. Trocando em miúdos, é a "advogada do Lula". Pelo visto viram em mim um perigo para o Estado Brasileiro. Sou o Larry Rother do Amapá.

A tal petição deixa evidente, a meu ver, que o texto em questão não foi devidamente compreendido. Ao contextualizar o que escrevi, a AGU afirma, por exemplo, que eu tratei da eleição no município do Amapá (sim, a cidade localizada no interior do estado). Falso. Nunca me referi – sequer de passagem – àquele município. Mas tudo bem. Tratei de explicar as incompreensões a quem quer que tenha se sentido agravado.

Muitas pessoas próximas a mim teceram alguns comentários acerca do que escrevi. A maioria elogiou o texto, mesmo ressaltando que se trata de algo incisivo. Outros criticaram aquilo que consideraram um excesso de sarcasmo e de dureza para com o meu estado natal. Há ainda, é claro, algumas opiniões que recebi de gente que pouco – ou nada – significa para mim. Essas não me interessam nem um pouco.

Fui muito duro com a – como é mesmo? – “minha terra”? E qual seria o problema nisso? Devo, por acaso, alguma reverência ao lugar em que nasci? Não creio. Samuel Johnson, um brilhante escritor muito pouco lido no país, dizia que “o patriotismo é o último refúgio de um canalha”. O que dizer, então, do “bairrismo”?

Já preparei e entreguei à Justiça a resposta esperada pela AGU. Não vou aborrecer os leitores com os detalhes técnicos, mas posso adiantar que abordei, sem medo, a questão que flutua em torno do direito inalienável do ser humano de ter uma opinião e expressá-la. O “texto interpelado” foi sarcástico e duro? Pode ser. Mas isso é suficiente para que se promova a “judicialização” do debate? Não segundo as noções de democracia que eu tenho.

“Mas você não precisava ter escrito aquilo”, disseram-me alguns. É, precisar não precisava mesmo. Einstein não precisava se debruçar sobre a relatividade do tempo e do espaço, assim como Freud não tinha obrigação de explorar os recônditos da psique humana. Mas quiseram fazê-lo. E é isso que diferencia o ser humano do restante da fauna existente: o livre-arbítrio. O exercício pleno do direito de exprimir seus sentimentos, suas opiniões, suas crenças. Ou isso é compreenido e aceito, ou teremos a barbárie. Mas fazer o quê? Sei que prego as virtudes democráticas no deserto.

A AGU está certa em ter recorrido à Justiça contra mim? Não sei. Quem vai dizer isso é o juiz do caso. Mas podia fazê-lo? Poder até que podia. Mas lembro de São Paulo – o apóstolo: “Tudo me é permitido. Mas nem tudo convém.” Era mesmo indispensável promover uma discussão judicial em razão da opinião pessoal de um indivíduo? Só o tempo dirá se isso foi, ou não, algo saudável para a democracia no Amapá – sempre que ela exista.

Torno a lembrar de São Paulo agora: “Todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus.” É por isso que tenho a consciência e o coração em paz. Como o episódio deve terminar? Com a vitória da liberdade, da democracia e da justiça. Não temos outra escolha. É isso, ou a barbárie.


Yashá Gallazzi pilota o blog Construindo o Pensamento. Se você ainda não conhece, não perca tempo. Corre lá agora.