terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Juliele - uma novata que já nasce estrela

Por Mauro Dias
Estreante, com primeiro disco lançado em dezembro e quase nenhuma experiência profissional anterior com música, a cantora macapaense Juliele é um grande reforço ao naipe de belíssimas vozes femininas que o norte tem fornecido ao Brasil e ao mundo – de Jane Duboc e Fafá de Belém às mais novas Patrícia Bastos e Andréa Pinheiro.

A menção desses nomes diz respeito tanto às comparáveis qualidades vocais de Juliele quanto à preocupação evidente de reconhecer na Amazônia o berço, a régua, o compasso. E mesmo que Jane ou Fafá, num momento e noutro, pareçam distantes de suas raízes, no fundo de suas vozes soa o ruído surdo do aguaréu que desce em marabaixo.

Parece audacioso falar de novata que já nasce estrela? Há dados a considerar. Primeiro deles, a beleza inata da voz, um cristalino a desdobrar-se em vibratos dignos da diva Gal Costa (sem que Juliele esteja preocupada em fazer-se ouvir como tal ou qual outra expressão vocal).

Segundo, o trabalho preparação do trabalho, a cargo, no tempo do disco (Juliele, produção independente, à venda onde ela faça show), a Nilson Chaves e Celso Viáfora, os dois diretores artísticos e produtores musicais do CD. Terceiro ponto, a direção dos shows assinada pelo mestre Tulio Feliciano. Em seus mais de 30 anos de carreira, Tulio firmou-se, entre mil qualidades, pelo rigor com que escolhe os artistas a quem empresta o talento – Bethânia ou Gal Costa, MPB4 ou Joyce, Maria Rita ou Celso Viáfora: só o melhor.

Se a presença de Nilson, Celso e Tulio são avais importantes, some-se à tais presenças o delicado trabalho de arte confeccionado para a capa do CD por Elifas Andreato; tome-se a participação, em disco e shows, do fabuloso Trio Manari, de trabalho extraído dos tambores e outras percussões amazônicas; note-se a excelente banda de base, comandada pelo contrabaixista e compositor Adelbert Carneiro. Temos uma seleção campeã.

Os compositores do Norte predominam no repertório do show e do CD – Marcos Quinan, Eudes Fraga, Joãosinho Gomes, Zé Miguel, Val Milhomem, Nivito, Fernando Canto, Nilson Chaves, Carlos Henry. Mas o repertório embrenha por outros interiores – como no universo paulista de Rafael e Rita Altério, em Rodopios. Chega ainda à moderna canção urbana paulistana em Com a Razão, de Bárbara Rodrix e Léo Nogueira, passa pelo composto Bahia-São Paulo de Vicente Barreto e Celso Viáfora, no samba No Sonho eu Sou, vai ao canto universal de Ivan Lins com Bem Demais, parceria do compositor carioca com Celso Viáfora.

Prova, enfim, com exemplos aqui não mencionados, que os ritmos, harmonia e melodia da boa canção brasileira são irmãos de sangue, evidência que muitos querem não ver e o mercado desdenha. Evidência que, por outro lado, deixa claras as diferenças de sotaques regionais, elementos compositores da grande unidade nacional de tambores, sopros e cordas.

A responsabilidade assumida por Juliele, ao puxar tantos fios para tecer o projeto que festeja a unidade – à luz amazônida, seja bem-dito – é proporcional à seriedade e talento com que enfrenta e vence o desafio. E pode-se saudar, sem susto, uma nova grande voz da canção brasileira.