Voar na Amazônia é super perigoso
Na Amazônia o Sivam - que custou U$ 1,7 bilhão - além de não garantir a segurança ainda coloca em risco a aviação. Há muito tempo vem se falando na existência de "buracos negros" no céu da Amazônia, ou seja, áreas que os radares não alcançam. Aliás, os radares do Sivam constantemente apresentam pane e quando entram em pane dão informações erradas sobre rumo e velocidade das aeronaves.
Esta semana a revista Veja trouxe matéria sobre o assunto e mostra que no dia 19 de abril, por exemplo, 16 dos 25 radares apresentavam falhas graves.
A Veja diz que "além dos riscos que oferece à aviação comercial, o Sivam é completamente ineficiente para fins de defesa aérea."
Leia a matéria:
"Um buraco chamado Sivam
O Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) foi criado em 1997 para que a Aeronáutica pudesse monitorar o espaço aéreo da Amazônia. O governo investiu 1,7 bilhão de dólares para que o sistema fosse capaz de controlar as rotas de jatos comerciais, o percurso de aeronaves militares, detectar aviões de traficantes e contrabandistas que entram no país, mensurar a devastação ambiental e até mesmo levar telefone a povoados isolados. Em 2002, os dados dos seus radares passaram a ser partilhados pelo Cindacta 4, que cuida do tráfego aéreo no norte do país, e pelo Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), que monitora as florestas. A confiabilidade do Sivam foi colocada em xeque pela primeira vez há dez meses, quando o vôo 1907 da Gol colidiu com o jato Legacy. As investigações mostraram que, embora o sistema não tivesse contribuído para a ocorrência, havia buracos negros no céu da Amazônia – áreas que os radares não alcançam. Desde então, VEJA visitou seis instalações do Sivam, entrevistou controladores de vôo, militares, pilotos, reuniu fotografias, gravações e documentos confidenciais sobre o sistema. A conclusão a que se chega a partir desse material é estarrecedora: o Sivam é incapaz de vigiar a Amazônia.
O sistema não opera em condições minimamente aceitáveis para a aviação comercial nem para fins militares. Seus radares sofrem panes constantes. Quando isso acontece, as telas mostram aviões que não existem e informam de forma errada o rumo e a velocidade das aeronaves que estão, de fato, no espaço aéreo. Um relatório da Aeronáutica obtido por VEJA revela que, no início da década, essas panes eram toleradas, porque "poucas aeronaves voavam na região". Desde então, o tráfego aéreo aumentou e a freqüência das falhas também. Um exemplo do risco pelo qual passam as pessoas que sobrevoam a Amazônia é o episódio ocorrido em 27 de março último, na sede do Cindacta 4, em Manaus. Por vinte segundos, o console de controle de vôos indicou que um Airbus A330 da TAM havia colidido no ar com um Boeing 737-800 da Gol entre as cidades de Sinop, em Mato Grosso, e Cachimbo, no Pará. Antes de indicar o desastre, o sistema apontou mais de 100 mudanças repentinas de velocidade, proa e altitude, como se os jatos fizessem acrobacias. Todas as informações eram falsas, inclusive a do acidente. Mas, quando o alarme soou, o controlador de vôo que monitorava os aviões entrou em choque. "O perigo está em um controlador ignorar um perigo real, devido à constante sinalização de alarmes falsos", alerta o documento do Comando da Aeronáutica.
Em 19 de abril, menos de um mês depois, o sistema voltou a entrar em colapso. Dos 25 radares da Amazônia, dezesseis apresentavam falhas graves. Os defeitos foram expostos em uma reunião dos controladores de vôo do Cindacta 4. Um deles filmou o encontro (assista em www.veja.com.br/videos). Em situações em que os equipamentos não funcionam, como naquele dia, o Sivam (que, lembre-se, custou 1,7 bilhão de dólares) entra no que se chama "operação não-radar": os aviões passam a sobrevoar a Amazônia quase que completamente às cegas e são guiados apenas por rádio. Essas falhas no sistema de controle aéreo têm as causas mais variadas, que vão desde a falta de regulagem dos radares até as fortes chuvas que atingem a região e interferem na transmissão de dados.
Além dos riscos que oferece à aviação comercial, o Sivam é completamente ineficiente para fins de defesa aérea. Os radares não são capazes de acompanhar a rota de aeronaves que trafegam abaixo de 3.000 metros. Nessa altitude, os aviões só são detectados se voarem sobre os radares. Isso ocorre porque a área de cobertura dos radares têm amplitude restrita (veja o quadro). Como monomotores e bimotores, os aviões preferidos por traficantes e contrabandistas, geralmente voam em baixa altitude, o sistema não consegue flagrar o trânsito de mercadorias ilícitas na Amazônia. O major-brigadeiro Álvaro Pinheiro da Costa, vice-diretor do Departamento de Controle de Espaço Aéreo (Decea), reconhece o problema: "Com a ajuda de um GPS, pilotos de aeronaves ilegais conseguem voar em altitudes que tornam impossível detectá-los". O Comando da Aeronáutica chegou a armar um esquadrão de aviões supertucanos com mísseis para interceptar e, eventualmente, derrubar os aviões dos invasores. Mas, como o sistema é incapaz de identificá-los, o esquadrão nunca interceptou nenhuma aeronave. Por falta de uso, a maior parte dos supertucanos acabou sendo transferida da Amazônia para Goiás.
A Aeronáutica calcula que, para cobrir todo o espaço aéreo da Amazônia, seria necessário instalar mais 625 radares, além dos 25 que já estão em operação. Como isso é muito caro, os militares apelaram para uma gambiarra: deslocaram os radares existentes para cidades nas quais se vende combustível de aviação. Com essa medida, conseguem rastrear pequenos aviões que fazem rotas legais. Isso não coíbe, porém, o tráfego de aeronaves de criminosos, que se abastecem em bases clandestinas. Além de operar com radares quebrados e incapazes de flagrar invasores, o Sivam sofre com o abandono. Em Tabatinga, cidade amazonense que faz fronteira com a Colômbia e é uma das principais portas de entrada de cocaína no Brasil, foi erguida uma base do sistema para ajudar no patrulhamento da região. Ela deveria receber informações dos radares e repassá-las à Polícia Federal. O governo construiu um prédio, comprou equipamentos eletrônicos, mas alguém se esqueceu de instalar a antena para receber o sinal de satélite. Resultado: a base foi abandonada.
Os terminais de comunicação instalados em pontos remotos da floresta, como aldeias indígenas, comunidades isoladas e postos de fronteira, tiveram a mesma sorte. Os Vsats, compostos de telefone e computador com conexão à internet via satélite, deveriam servir de canal de comunicação para que índios, ribeirinhos e policiais que trabalham no interior informassem problemas como crimes ambientais e tráfico de drogas. Dos 665 aparelhos instalados, pelo menos 400 estão fora de operação. Esquecido, mal administrado e cheio de defeitos, o Sivam está prestes a entrar no folclore. Já caminha a passos largos para se tornar o curupira do século XXI: muitos ouviram falar, uns dizem que já viram, mas ninguém põe a mão no fogo pela sua existência."
Esta semana a revista Veja trouxe matéria sobre o assunto e mostra que no dia 19 de abril, por exemplo, 16 dos 25 radares apresentavam falhas graves.
A Veja diz que "além dos riscos que oferece à aviação comercial, o Sivam é completamente ineficiente para fins de defesa aérea."
Leia a matéria:
"Um buraco chamado Sivam
O Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) foi criado em 1997 para que a Aeronáutica pudesse monitorar o espaço aéreo da Amazônia. O governo investiu 1,7 bilhão de dólares para que o sistema fosse capaz de controlar as rotas de jatos comerciais, o percurso de aeronaves militares, detectar aviões de traficantes e contrabandistas que entram no país, mensurar a devastação ambiental e até mesmo levar telefone a povoados isolados. Em 2002, os dados dos seus radares passaram a ser partilhados pelo Cindacta 4, que cuida do tráfego aéreo no norte do país, e pelo Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), que monitora as florestas. A confiabilidade do Sivam foi colocada em xeque pela primeira vez há dez meses, quando o vôo 1907 da Gol colidiu com o jato Legacy. As investigações mostraram que, embora o sistema não tivesse contribuído para a ocorrência, havia buracos negros no céu da Amazônia – áreas que os radares não alcançam. Desde então, VEJA visitou seis instalações do Sivam, entrevistou controladores de vôo, militares, pilotos, reuniu fotografias, gravações e documentos confidenciais sobre o sistema. A conclusão a que se chega a partir desse material é estarrecedora: o Sivam é incapaz de vigiar a Amazônia.
O sistema não opera em condições minimamente aceitáveis para a aviação comercial nem para fins militares. Seus radares sofrem panes constantes. Quando isso acontece, as telas mostram aviões que não existem e informam de forma errada o rumo e a velocidade das aeronaves que estão, de fato, no espaço aéreo. Um relatório da Aeronáutica obtido por VEJA revela que, no início da década, essas panes eram toleradas, porque "poucas aeronaves voavam na região". Desde então, o tráfego aéreo aumentou e a freqüência das falhas também. Um exemplo do risco pelo qual passam as pessoas que sobrevoam a Amazônia é o episódio ocorrido em 27 de março último, na sede do Cindacta 4, em Manaus. Por vinte segundos, o console de controle de vôos indicou que um Airbus A330 da TAM havia colidido no ar com um Boeing 737-800 da Gol entre as cidades de Sinop, em Mato Grosso, e Cachimbo, no Pará. Antes de indicar o desastre, o sistema apontou mais de 100 mudanças repentinas de velocidade, proa e altitude, como se os jatos fizessem acrobacias. Todas as informações eram falsas, inclusive a do acidente. Mas, quando o alarme soou, o controlador de vôo que monitorava os aviões entrou em choque. "O perigo está em um controlador ignorar um perigo real, devido à constante sinalização de alarmes falsos", alerta o documento do Comando da Aeronáutica.
Em 19 de abril, menos de um mês depois, o sistema voltou a entrar em colapso. Dos 25 radares da Amazônia, dezesseis apresentavam falhas graves. Os defeitos foram expostos em uma reunião dos controladores de vôo do Cindacta 4. Um deles filmou o encontro (assista em www.veja.com.br/videos). Em situações em que os equipamentos não funcionam, como naquele dia, o Sivam (que, lembre-se, custou 1,7 bilhão de dólares) entra no que se chama "operação não-radar": os aviões passam a sobrevoar a Amazônia quase que completamente às cegas e são guiados apenas por rádio. Essas falhas no sistema de controle aéreo têm as causas mais variadas, que vão desde a falta de regulagem dos radares até as fortes chuvas que atingem a região e interferem na transmissão de dados.
Além dos riscos que oferece à aviação comercial, o Sivam é completamente ineficiente para fins de defesa aérea. Os radares não são capazes de acompanhar a rota de aeronaves que trafegam abaixo de 3.000 metros. Nessa altitude, os aviões só são detectados se voarem sobre os radares. Isso ocorre porque a área de cobertura dos radares têm amplitude restrita (veja o quadro). Como monomotores e bimotores, os aviões preferidos por traficantes e contrabandistas, geralmente voam em baixa altitude, o sistema não consegue flagrar o trânsito de mercadorias ilícitas na Amazônia. O major-brigadeiro Álvaro Pinheiro da Costa, vice-diretor do Departamento de Controle de Espaço Aéreo (Decea), reconhece o problema: "Com a ajuda de um GPS, pilotos de aeronaves ilegais conseguem voar em altitudes que tornam impossível detectá-los". O Comando da Aeronáutica chegou a armar um esquadrão de aviões supertucanos com mísseis para interceptar e, eventualmente, derrubar os aviões dos invasores. Mas, como o sistema é incapaz de identificá-los, o esquadrão nunca interceptou nenhuma aeronave. Por falta de uso, a maior parte dos supertucanos acabou sendo transferida da Amazônia para Goiás.
A Aeronáutica calcula que, para cobrir todo o espaço aéreo da Amazônia, seria necessário instalar mais 625 radares, além dos 25 que já estão em operação. Como isso é muito caro, os militares apelaram para uma gambiarra: deslocaram os radares existentes para cidades nas quais se vende combustível de aviação. Com essa medida, conseguem rastrear pequenos aviões que fazem rotas legais. Isso não coíbe, porém, o tráfego de aeronaves de criminosos, que se abastecem em bases clandestinas. Além de operar com radares quebrados e incapazes de flagrar invasores, o Sivam sofre com o abandono. Em Tabatinga, cidade amazonense que faz fronteira com a Colômbia e é uma das principais portas de entrada de cocaína no Brasil, foi erguida uma base do sistema para ajudar no patrulhamento da região. Ela deveria receber informações dos radares e repassá-las à Polícia Federal. O governo construiu um prédio, comprou equipamentos eletrônicos, mas alguém se esqueceu de instalar a antena para receber o sinal de satélite. Resultado: a base foi abandonada.
Os terminais de comunicação instalados em pontos remotos da floresta, como aldeias indígenas, comunidades isoladas e postos de fronteira, tiveram a mesma sorte. Os Vsats, compostos de telefone e computador com conexão à internet via satélite, deveriam servir de canal de comunicação para que índios, ribeirinhos e policiais que trabalham no interior informassem problemas como crimes ambientais e tráfico de drogas. Dos 665 aparelhos instalados, pelo menos 400 estão fora de operação. Esquecido, mal administrado e cheio de defeitos, o Sivam está prestes a entrar no folclore. Já caminha a passos largos para se tornar o curupira do século XXI: muitos ouviram falar, uns dizem que já viram, mas ninguém põe a mão no fogo pela sua existência."
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