Anonovesco
Alcy Araújo Cavalcante
(1924-1989)
Aceitarei sem mágoas milhões de luas. Não bem luas. Que o plural acaba com a poesia. Satélite. Assim o telescópio perceberá melhor os anéis de Saturno. Ser satélite. Girar em torno de. Há necessidade de uma gramática celeste. Melhor ainda, geografia celestial, de asas. Asas circunferenciais, eclipsiodais, tridimensionais, vista-visionais, de fim de ano, natalinas. Faltam tantos dias relativos para o começo de outro fim.
Sempre o começo. O início. O inaugural. O inaugural e a esperança de que após o fim o início recomeça. Há muitas casas no reino de meu Pai. A todos a melhor casa. Esperança de último. Esperança de ser o primeiro inquilino na interpretação simplista do Livro.
Enquanto isso, falece o gesto de bondade. Não observar o aviso – é proibido pisar na rosa. Superior mesmo é nascer pássaro e defecar na flor silvestre.
Também seria bom nascer borboleta e pousar na flor com asas de arco-íris. Digo, arco-da-velha. Nunca porém nascer disco voador, viajar milhões de mundo, encontrar milhões de humanidades. Uma é suficiente.
O necessário mesmo é reler Júlio Verne. Viajar deitado. Sem sair de casa. Acordado, à espera de Papai Noel de barbas brancas, saco de nylon e brinquedos de matéria plástica.
Depois esperar o dia da Fraternidade Universal e os três reis magos. Principalmente Baltazar, o que nasceu no Harlem, há mil novecentos e oitenta e oito anos, um mês e dezoito dias. Explico: Baltazar porque o poeta não tem preconceitos raciais.
Viva o ano novo que começa quando nasce uma criança.
(Do livro “Autogeografia”, 1965 – Macapá-AP)
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