Artigo
Felizcidade, Macapá!
(ainda que maltratada e maltrapilha)
Ademir Pedrosa
No início deste ano subtraíram-me a oportunidade de comemorar o aniversário de 250 anos de minha cidade de Macapá. O meu parceiro de outras músicas, Zé Miguel, que estava à frente da organização do festival, compactuou com essa patacoada. Logo ele que sofrera, inclusive, retaliação semelhante em outro festival. Alhearam-me daquele evento, justificando que a letra da música era subjetiva demais. Só porque eu não falo diretamente em Macapá, o “subjetivismo” ofuscou os dirigentes a enxergar que eu me referia à cidade tucuju. A música “Garota de Ipanema”, um hino apaixonado à cidade carioca, de Vinícius de Moraes e Tom Jobim, nem sequer fala no nome do Rio de Janeiro; “Sampa”, de Caetano Veloso, uma declaração de amor a São Paulo, em nenhum momento fala nominalmente na capital paulista. Eles queriam o quê? Que eu cantasse “Parabéns pra você, Macapá”? Há coisas que não é necessário apontar o dedo, elas saltam aos olhos por si só. Só não enxerga quem não quer ver; só um cego, cego de marré de si, coitado, não vê o óbvio ululante. Vê-se que boa vontade e zelo faltou no tratamento por aquilo que é nosso. Vi uma índia waiãpi, de cocar, seios às amostras, tanga vermelha e cheia de penduricalhos, e que falava, meio que agachada em um recanto pitoresco da Praça Zagury, ao celular. Era uma cena inusitada, e eu me aproximei dela, curioso. Quando cheguei perto, pude ouvir que falava ao celular em sua língua nativa, tupi-guarani. Agora, imagina uma aborígine à sua frente, vestida a rigor, falando ao celular em sua língua autóctone, não é algo que merece registro? Foi o que fiz, registrei aquilo numa letra de música. Na esquina da Rua Mendonça Furtado com a Avenida General Rondon, há sempre um índio dessa tribo naquele lugar, e isso não fica na África ou em Nova Zelândia, sei lá... Fica bem aqui em Macapá. Se você vir uma índia dessas por aí, fotografe. Porque a imagem fala mais que mil palavras, posto que a referida sentença careça de significado e significante. Cantar aquela linguagem ágrafa representou, para mim, mais que mil imagens, pois no princípio era o Verbo (JOÃO I : I-3). E neste crepúsculo de ano, presto minha homenagem ao ano que se encerra de seus 250 anos. Felizcidade, Macapá!
Top model das tribos
Ademir Pedrosa
Vi uma Waiãpi
Na Praça Zagury
Que falava ao celular
Na sua língua tupi
Meninos, eu vi.
Tinha a tanga encarnada
Flor da pele acobreada
Com desenhos de urucum
De sandálias havaianas
Um cocar superbacana
Um par de óculos Rayban
Top model das tribos
Estreava a lingerie
Seus cabelos de azeviche
São mururés do igapó
A tanga é quase nadinha
Pouco esconde as taludinhas
Suas vergonhas do amor
Ela é estrela da manhã
Moça bela, curuminha
Faceira índia, rainha
É guerreira cunhantã
Tinha tatuagem de henna
Na orelha um brinco de penas
Nativa na passarela
Tinha aparelho nos dentes
No nariz piercing, pingente
E eu me apaixonei por ela
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