sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Uma crônica de Ademir Pedrosa

Pra não dizer que não falei das flores
Ademir Pedrosa

A idéia de plantar flores nas ruas é poética. Plantar flores para florir e perfumar as ruas de nossa hiléia tropical me enche de romantismo, e é bem capaz de me fazer nascer uma flor na lapela e uma namorada no braço. Já me vejo passear liricamente de mãos dadas por entres canteiros de alamedas, ruas e avenidas de Macapá, com uma imensa begônia na lapela.

A idéia de plantar flores não é apenas poética, mas um exercício politicamente correto e providencial. Mas convém cuidar; regá-las sempre; podá-las de vez em quando; catar as ervas daninhas, e vez ou outra condimentar a terra do canteiro. E desse zelo que advém o vigor de vegetação nas plantas. Carinho e afeto é sempre muito bom; e é desse viço que a natureza clama. No entanto, se só plantar, elas vão malograr. Como aconteceu com os canteiros da Iracema Carvão Nunes e da Mendonça Furtado. Como malograram as da Praça da Bandeira e da Praça Floriano Peixoto. Plantaram e deixaram lá a deus-dará. Feneceu uma por uma.

Fui a um festival de música em Curitiba, no Paraná. Estava numa agência de viagem que ficava numa alameda cheia de canteiros de flores, e onde não passava carro, tipo Alameda Serrano. Estava nessa agência para marcar minha passagem de volta à Macapá. Quando vi, passou na frente da agência um carro de bombeiro. Estranhei, pois acabara de verificar que aquela ruela era destinada a passeio de pedestres. Saí pra ver, era um carro-pipa com um grupo de jardineiros munido de tesoura, tosquiador, regador; uma parafernália de instrumentos para cuidar caprichosamente das plantas. Aí eu pude compreender porque ali as flores são tão vivas e belas. Eles cuidam.

Curitiba é a cidade das flores, dado ao seu clima favorável a esse tipo de cultivo, uma espécie de Amsterdam da América Latina, onde a estação da primavera parece se prolongar indefinidamente... E eles laboriosamente cuidam de suas plantas. Aqui em Macapá, onde a intempérie, a rigor, é desfavorável a essa cultura, onde temos um sol de oitenta graus de temperatura à sombra, onde reina um bilhão de formigas de fogo e saúvas, capaz de devorar uma safra inteira de flores em Amsterdam; querem que aqui as plantas floresçam ao deus-dará? Demorou!

A jornalista Alcinéa Cavalcante sugeriu à população que plantasse flores em frente das suas casas. E até mostrou um pé de jasmim que a irmã plantou, e que agora perfuma a atmosfera do seu bairro. Isso deve ser uma vocação hereditária que herdou do pai, o poeta Alcy Araújo. Li, já faz algum tempo, um de seus poemas que fala de chuva de um crepúsculo vespertino, e até hoje esse fragmento está impregnado de perfume em minha memória:
Lavada
gotejante minha roseira
espiou pela janela: deu
de cara comigo.