Vai, Max, fazer poesia no céu
O poeta paraense Max Martins, um dos maiores nomes da literatura da Amazônia, morreu no entardecer da segunda-feira, 9, em Belém, aos 82 anos.
Max e meu pai Alcy foram grandes amigos na "quase mocidade". Meu pai veio para o Amapá, Max ficou em Belém, mas não perderam o contato.
A crônica abaixo foi escrita certa manhã de domingo quando Alcy, relendo o livro Anti-Retrato, lançado por Max em 1960, sentiu uma imensa saudade do amigo.
Meu pai morreu em 23 de abril de 1989. Max morreu segunda-feira.
Imagino o sorriso meio maroto do meu pai ao olhar pela janela do céu e dar de cara com o Max chegando. Os dois se abraçariam e deixariam as palavras escorrer cerzindo poemas. E Deus, sorrindo cheio de ternura, "balançaria a cabeça com aquele jeito só dele", dizendo: Olha aí esses dois juntos de novo, o Max e o Alcy. E parece que ainda não criaram juízo.
Max-Gravata Triste
Alcy Araújo Cavalcante
Tenho nas mãos boquiabertas o Anti-Retrato de Max Martins. O amigo, poeta magro, de olheiras profundas, boêmio, que reflete tranquilas desesperanças. Vejo, visualiso o Max da nossa quase mocidade torturada.
Onde andará o companheiro de tantas e tantas noites sem memória? Em que órbita estará com sua gravata triste? Aqui no livro ele está tão perto como um abraço. É o Max tão moço e tão maduro, aprendiz de criança que nunca pôde ter infância. Não por falta de tempo, que o tempo nunca contou para o Max, mas porque ele nunca foi mesmo desse nosso mundo. Anjo adúltero, ele apenas entrou em órbita, foi o máximo que conseguiu de aproximação desta terra onde deixamos as marcas de nossos pés nus.
E no agora eu tenho comigo o Anti-Retrato. Uma das melhores fotografias da alma do poeta, do amigo cargueado pelas tristezas que colheu como um plantador de ilusões.
Acho que estou com saudade do amigo. Talvez porque é domingo e eu ainda nem engraxei os meus sapatos e mal penteei os cabelos que o travesseiro acordou durante o meu sono.
Seria tão bom se eu saísse agora e encontrasse o Max, bem ali, defronte da janela... Sinceramente, eu daria um grande abraço no amigo e faria a pergunta mais simples e mais repetida em nossas vivências: vamos tomar alguma coisa?
E o poeta responderia com outra pergunta: onde?
Então estaria inaugurado o diálogo e as palavras escorreriam cerzindo poemas, sem que ninguém descobrisse o verso, verso que é apenas um modo de sofrer.
E Deus balançaria a cabeça com aquele jeito só dele. Numa censura terna diria ao Filho do Homem, sentado à sua direita: Lá estão de novo aqueles dois, o Max e o Alcy. Esses mesmo não criam juízo.
E o filho sorriria, aprovativamente.
Enquanto isso, um saxofone negro traria para o cais bússolas naufragadas, para indicar que além do azul a lágrima é apenas a alma que escorre pela face e lava as cicatrizes acontecidas quando morreu o último pássaro branco.
Velho Max, as palavras se perdem na praça, onde os namorados estão indiferentes a nossa poesia amargurada.
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