domingo, 3 de maio de 2009

Artigo dominical

O Belo Pastor

Dom Pedro José Conti, bispo de Macapá

Chamamos de “narcisista” aquela pessoa que fica olhando somente para si, exaltando unicamente as suas qualidades, achando-se o máximo, a única, a perfeita. Quem tem esse defeito não consegue ver a beleza dos outros. A palavra vem do mito de Narciso, da Antiga Grécia. Segundo esse mito, Narciso era um jovem belíssimo que, ao ver-se espelhado numa fonte, apaixonou-se por ele mesmo e morreu de tanto langor. Os deuses, comovidos, o transformaram na flor que leva o seu nome. O sentido desse mito é uma reflexão sobre a beleza enganadora; encanta, seduz, mas ao mesmo tempo prende e paralisa. Torna-nos cegos, incapazes de ver além dela, de reconhecer as qualidades dos outros.


Com isso entendemos que existem vários tipos de beleza. Nas obras de arte, nas pessoas e nos sentimentos. A verdadeira beleza nos conduz ao estupor, ao encantamento, à elevação do espírito. Desperta em nós o desejo de algo do qual sentimos saudade, porque deixou uma marca dentro de nós, algo que buscamos de novo e sempre, como se o tivéssemos perdido, e que nos dará alegria e satisfação ao encontrá-lo novamente. Que beleza é essa que buscamos? Os artistas de todas as artes e de todos os tempos nos ajudam a não esquecê-la e a não trocá-la pelas coisas banais do consumo e das modas que passam. Muitos a chamam de “paraíso perdido”, dele sentimos saudade. Para quem tem fé, somente Deus é a perfeição da beleza, o único sem defeito, capaz de atrair para libertar e salvar.

Eu não entendo nada de arte, não desenho, nem toco música. Mal consigo segurar um canto. Contudo, fico encantado com a beleza das obras de arte, com a música que alegra e acalma o coração, com a poesia que consegue expressar o que parecia inexprimível. Existem também novas artes, como a do cinema, por exemplo. Fico comovido ao assistir a certas cenas. Mexem no profundo. Fazem bem, fazem pensar e refletir. Essa é outra missão das artes e dos artistas.

Tudo isso para lembrar que neste domingo encontramos o evangelho do Bom Pastor. Os biblistas nos dizem que aquela palavra grega foi mal traduzida. Na realidade Jesus deveria ser chamado de Belo Pastor. Deixo as disputas aos sábios e entendidos. Somente gostaria ajudar a compreender para que ninguém chegue à conclusão que foi enganado. De jeito nenhum.

Parece-nos mais familiar e compreensível falar do Bom Pastor. É verdade. Assim estamos acostumados. Também porque quando pensamos na beleza a nossa mente vai às imagens das, ou dos, modelos fascinantes com o seu brilho, o seu andar peculiar, esbanjando o charme de corpos supostamente perfeitos. Tudo para chamar a atenção e vender algum produto. São os “padrões” da beleza masculina e feminina que a moda e o consumo nos vendem. Com isso estamos perdendo a capacidade de ver e perceber o belo verdadeiro e a beleza que está ao nosso alcance, debaixo dos nossos olhos. Pode ser a beleza de uma família reunida, com pais e filhos brincando juntos. O carinho de uma mãe embalando o seu filho. A alegria de um pai carregando uma criança nos ombros. O sorriso de um idoso gostando da vida, transmitindo mais vitória do que derrota, mais confiança que desistência. O barulho alegre das crianças, a perseverança dos jovens nos seus sonhos, o aperto de mão de amigos que se encontram. O andar vagaroso de uma procissão, o canto de milhares de vozes reunidas. Uma prece silenciosa. E as maravilhas da natureza que nos deixam sem palavras. Quantas belezas singelas desperdiçadas!

Todas têm algo em comum: a alegria, a gratuidade e o amor. O Belo Pastor é o mesmo Bom Pastor. Não é belo para ser olhado, mas para ser contemplado. Atrai com seu acolher amoroso, com seu coração compassivo, com sua coragem desafiadora. Atrai com sua palavra de vida. Não tem nada para vender, porque tudo o que tem é para ser dado. Ele quer ganhar somente o nosso amor, não quer o nosso dinheiro ou a nossa liberdade. Um amor assim não prende, liberta, leva a Deus e ao próximo. Não suscita inveja, ganância, narcisismo. Faz esquecer a si mesmo para doar inteiramente a própria vida. O Belo Pastor é aquele que na cruz não teve beleza alguma, nem aparência humana de tanto sofrer. Não um imaginário Jesus colorido, voando, espalhando raios de luz. Um Jesus desfigurado amando até o fim. É a beleza da bondade. Eu fico com o Bom Pastor, mas agora sei que também é belo, é “o mais belo dos filhos dos homens” como canta o Salmo 45,3. Essa bondade-beleza me atrai e me conduz pelo caminho do bem. Não posso esperar. Não quero chegar a dizer como Santo Agostinho: “Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei”. Nunca é tarde para amar; nunca é tarde para ficar encantados com a verdadeira e eterna beleza do amor. Do belo amor de Jesus também.