quarta-feira, 13 de maio de 2009

Artigo

Uma temporada no inferno

Carlos Lobato

Neste instante em que inicio este texto, cai sobre a Paulicéia um frio de doer os ossos de todo nortista acostumado ao sol e ao calor.
Tudo estava sereno, de repente, o arco-íris do dia a dia se transformou em nuvens cinzentas e ameaçadoras. Eu, sozinho, no escritório, resolvi saciar minha curiosidade médica e, não hesitei: me deitei na “rede” e busquei os resultados dos exames aos quais havia me submetido. Confuso com a terminologia da linguagem técnica e, já meio sem controle, liguei para o médico para que traduzisse aquilo que lia, mas não compreendia. A tradução me trouxe uma enxurrada de certezas e desafios. A certeza principal era a mudança que meu estado clínico de saúde, afinal, eu acabara de entrar no grupo dos pacientes portadores de CA, um mal que assusta até diácono de Igreja Católica. O pior, o falo era o órgão que seria afetado, pois a próstata era a vil residência do maligno companheiro.
Confesso que meu mundo se fragmentou tal qual o então sólido muro de Berlim, segregacionista e impávido diante das dores daquele povo que foi dividido pela intolerância dos homens. Dali pra frente, me vi dividido, não como querem alguns psicanalistas – mente/corpo -, mas em mim, comigo/ self, e, mim / ti atores do meu universo – mulher, filhos, pais, amigos... - o que fazer? Parafraseando o velho Ilitch Ulianov , o Lênin.
Decidi que faria da desgraça um passo de valsa e que cantaria/ contaria a todos que me inspirassem confiança. Chamei os “eleitos” para o salão e, juntos, dançamos o “cisne negro”. Assim foi.
Dentro de mim, homem de natureza polêmica roça o Lobato ateu, agnóstico, messiânico, espírita, católico, traficante de idéias, e, como diria Rimbaud “blasfemador incorrigível” que muitas vezes se confunde com o apaixonado no campo das idéias ou visionário, mas que alimenta uma alcatéia de críticos que se atiça para decifrar e divergir de meus postulados. É a vida!
Não tenho vocação para cordeiro, habito um mundo onde matilhas sempre estão e estarão à espera da presa que se apressa em fraquejar se atirando na sarjeta do insensato destino.
Se essa viagem me levou aos escanhinhos do inferno, quero compreender a lógica de tudo isso, sem me abraçar ou beijar o capeta. Quero minha passagem de volta! E, para voltar, precisava ir à São Paulo “combater o bom combate”. Confiei em conselhos de amigos, marquei a cirurgia, conheci, experienciando, o significado da palavra UTI - complicações me deixaram lá por um dia e meio, tempo suficiente para fazer uma regressão e repisar filmes reais de minha história de vida. Confesso que vivi!
Hoje, vivo minha recuperação, angustiado entre voltar para minha aldeia e abraçar meus filhos, minha mãe e uma das irmãs que chegarão na quinta-feira. De tudo por tudo, uma certeza: após o dilúvio se aquietar uma lebre parou entre os sanfenos e as móveis campânulas, e recitou sua oração ao arco-íris, através de uma teia de aranha. Os versos me remeteram ao poeta Fernando, cujo Canto assim me ensinava: “colorido é um sonho em preto e branco, que a gente vê e não percebe o equilíbrio de uma cor...”. Desliguei tudo, inclusive a mim e fui deitar com o sofejo da Juliele quando questiona: “de quem é a razão quando a razão erra?”