domingo, 28 de outubro de 2007

Saudades do velho Hem

"Somos todos aprendizes de uma arte na qual ninguém é mestre."
(Ernest Hemingway)

Já contei pra vocês que sou apaixonada por Hemingway.
Pois bem, neste domingo quieto e de céu azulzinho em Macapá, sinto saudade. Folheio um velho bloco de anotações que me diz que exatamente há 53 anos (em 28 de outubro de 1954) Ernest Hemingway recebia o Nobel da Literatura por seu livro “O Velho e o Mar”, publicado dois anos antes.
Meu velho e querido Hem, há quanto tempo não conversamos? Mais de um ano talvez. Que tal voltarmos a conversar hoje? Me fale, mais uma vez, sobre a relação do homem com o mar. Me encante, de novo, com a história daquele velho pescador, corajoso como ele só, que passou meses no mar, com seus sonhos e pensamentos, lutando pela sobrevivência, falando sozinho, e sem perder, em momento algum a confiança na vida. Preciso, mais uma vez, Hem, daquela mensagem de confiança na grandeza interior do ser humano.
Ernest Hemingway, como sempre, aceita meu convite. Então, pego na estante, onde tenho quase todas as obras dele, O Velho e o Mar, obra na qual ele revela total amadurecimento literário.
E enquanto começo a reler, deixo para vocês esta resenha escrita por Sara Nanni e que não lembro mais onde foi publicada:

"A relação do ser humano com o mar e a luta pela sobrevivência, empreendida pelo homem são elementos centrais da narrativa de O Velho e o Mar, escrito por Ernest Hemingway em 1952. Desafiado pelos pescadores mais jovens, o velho Santiago sai ao mar aberto de Havana, em Cuba, para provar aos companheiros que ainda pode fazer pescarias bem sucedidas. Com mais de 84 dias sem fisgar peixe algum, ele sente-se obrigado a provar aos outros que ainda é vigoroso na profissão. Lança-se aos perigos do mar. Com pouca água para beber, alimenta-se de golfinhos e peixes voadores. Luta com os tubarões, o sol forte que vincara sua pele durante a vida inteira e a solidão do mar. Fingindo que conversa com alguém, fala em voz alta fatos do passado. Espera que um peixe grande fisgue o anzol atraído pela isca que ganhara do garoto Manolín, aprendiz e companheiro da pesca, que abandonara o velho por exigência da família. Obrigado a acompanhar pescadores com mais sorte, Manolín teve de abdicar do saber de Santiago.

A vida inteira o velho esteve no mar, empreendendo lutas e saindo-se vitorioso. Conhecer as marés, as mudanças climáticas, a localização dos cardumes e o comportamento dos peixes havia dado a Santiago um passado de vitórias. No entanto, faz contraponto ao seu esforço a vida de privações do pescador. Mora num casebre e dorme sobre uma cama que não passa de jornais velhos amontados e ressequidos. O que teria levado o pescador a essa situação? O mar teria sido traiçoeiro com ele, impedindo que dele tirasse riqueza suficiente para que pudesse sobreviver? A ganância dos homens teria abusado dos recursos do mar, devastando seu próprio sustento? O velho e o mar não dá respostas a essas perguntas, mas esclarece a essência da vida do pescador e da pesca. É preciso conhecimento, mas também é preciso sorte. Há tempos em que a produção é baixa e o sofrimento do trabalho raras vezes é recompensado materialmente. Há aqueles favorecidos que, em épocas de excelente pescaria de determinada espécie, conseguem comprar sua própria embarcação e apetrechos modernos. Porém, a maioria não possui meios próprios de trabalho, faz as pescarias em barcos de terceiros e fica a mercê dos preços oferecidos pelos atravessadores. "A vela fora remendada em vários pontos com velhos sacos de farinha e, assim enrolada, parecia a bandeira de uma derrota permanente", conta o início da narrativa.

Assim como todas as outras personagens criadas pelo escritor, Santiago também se defronta com a "evidência trágica" do fim. Após passar vários dias em alto mar em seu pequeno barco a vela, ele enfim consegue capturar o maior peixe que já havia visto na vida, com mais de 5 metros de comprimento. São dias e noites de luta, tentando vencer a força e a resistência do peixe, ficando quase cego diante do sol forte e sem o movimento de uma das mãos, já cortadas em razão da força com que segurava o animal pela linha. Depois de amarrá-lo no barco, ele é perseguido por vários tubarões até próximo à costa. Ele consegue livrar-se de todos, mas a todo o momento corre o risco de ser morto. O pescador chega exaurido à praia com apenas o esqueleto do peixe que havia capturado. Os outros pescadores medem o comprimento do que restou do peixe e Santiago passa a ser admirado por todos. Mais do que a luta com o peixe, o que Santiago empreende no mar é a luta consigo. Paciência diante de dificuldades quase intransponíveis, sabedoria e persistência são elementos que lhe garantem sobrevivência diante do trágico.

Embora tenha conseguido provar aos outros sua capacidade como bom pescador, o velho tem a visão nítida de como é sua vida. Luta infindável que, apesar das vitórias, garantindo-lhe a sobrevivência, relega a ele a dor e a busca eterna de uma vida melhor.”