domingo, 8 de fevereiro de 2009

O trabalho das mãos

Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá


Um filósofo, observando a sua esposa limpar os objetos da casa, lavar e passar a roupa, ajeitar a mesa, pensou:”Existem mesmo dois tipos de seres humanos: aqueles que sabem usar as mãos e aqueles que sabem usar a cabeça. Ainda bem que eu faço parte desses últimos”. Em seguida a mulher morreu e ninguém mais tomou conta da casa. No começo ele ficou satisfeito, porque nada, nem ninguém podia distraí-lo das suas reflexões. Contudo ele estava errado ao pensar desta maneira. As teias de aranhas, a poeira e a confusão tomaram conta da casa e começaram a enfraquecer a sua inteligência. Parecia que as idéias dele também dependessem da ordem e da limpeza que a mulher sabia colocar na casa. O filósofo não queria admitir essa possibilidade, mas uma noite, não conseguindo juntar pensamento com pensamento, tropeçou num pequeno vaso, caído no chão, que a mulher tinha pintado com as suas mãos. Recolheu-o e, olhando para aquele objeto gracioso, refletiu: ”Ela tinha mãos habilidosas”. Assim o filósofo compreendeu que o trabalho das mãos da sua esposa na realidade era também uma obra do seu coração. Era um trabalho pequeno, humilde, repetitivo, limitado, mas capaz de criar o ambiente perfeito para a inteligência dele. Percebeu que o declínio da sua mente tinha começado quando o coração dela tinha deixado de bater.
Quando escutamos no Evangelho de Marcos que Jesus curou a sogra de Pedro, muitos pensamentos vêm a nossa mente. Deve ter sido um fato que o próprio Pedro contou e que Marcos, discípulo dele, registrou. Ou, talvez, o apóstolo pediu ao evangelista de lembrar o acontecido porque, quem sabe, ele gostava muito da sogra e todos, incluindo Jesus, alegraram-se com a comida que ela preparou após ter sido curada. Essa segunda hipótese é uma brincadeira minha, claro.
Acredito que as sogras mereceriam mais respeito. Coitadas! São objetos de piadas, críticas, zombarias. Todas pagam pelo preconceito.
Simplesmente, porém, falando das sogras, quero lembrar todas as pessoas que fazem alguns trabalhos manuais de limpeza e arrumação nas nossas casas, escritórios, colégios, ruas e ambientes de convivência e trabalho. Poucas vezes damos valor a esses ofícios. Esquecemos que eles também são cansativos e, na maioria das vezes, pouco gratificantes. A comida do restaurante parece mais gostosa, mas ninguém agüentaria viver somente disso. O dia a dia exige uma dieta mais caseira. Assim a limpeza e a ordem nas nossas casas. Se o asseio não se torna uma obsessão, um ambiente limpo e ordenado nos educa a organizar também a nossa vida, ajuda-nos a harmonizar idéias e pensamentos. Confusão e sujeira dão nojo, canseira e raiva. Basta deixar por algum tempo a pia da cozinha cheia de louça suja, para descobrir um exercito de formigas e sentir o cheiro azedo dos restos de comida. Bendita limpeza e benditas as mãos que nos servem para isso.
Deveríamos aprender a dar mais valor aos trabalhos simples. Se alguns dos trabalhadores e das trabalhadoras são pagos, com certeza o salário deles é merecido pelo esforço e a paciência. Contudo, as mães, as sogras, as avós e tantas outras pessoas nas nossas famílias não são pagas para preparar tantas coisas gostosas para maridos filhos e netos. Poucas vezes agradecemos. Talvez no dia das mães. Quanto temos ainda de machismo, achando que certas tarefas sejam “delas” e nunca “deles”! Não sei se as novas gerações serão melhores. Muito se discute sobre esses assuntos. Somente o reconhecimento do que tantos outros fazem para nós pode nos ajudar a não ser tão exigentes e pretensiosos, sempre prontos a reclamar se algo está desarrumado ou a comida chega atrasada à mesa. Amor e serviço se aprendem se queremos aprender. A generosidade deve andar junta com o agradecimento. É a lição do filósofo orgulhoso e da sogra de Pedro, que, curada, levantou para servir os hóspedes. Pelo jeito eles não a esqueceram. Ficou no evangelho.