Artigo dominical
Um grande homem
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá
Concluindo o Ano Paulino, podemos nos perguntar o que irá ficar dele. Um bom número de pessoas teve a possibilidade de refletir, um pouco mais, sobre a figura desse apóstolo, rico de uma personalidade única e missionário devotado aos pagãos de sua época.
O Ano Paulino, muito além da finalidade de prestar homenagem a este ilustre personagem da história cristã, tinha também o objetivo de reaproximar o homem de hoje, atordoado pelo seu poder tecnológico e iludido com a sua auto-suficiência, àquela incansável testemunha da única força realmente transformadora: a loucura da cruz de Jesus Cristo. Seria bom, portanto, que algo de Paulo ficasse não somente para os cristãos, mas também para tantos outros que pouco, ou nada, conhecem dele. Um bom exemplo e uma humanidade rica sempre devem orgulhar qualquer pessoa que se sente parte viva da grande família humana.
Tomo, portanto, a liberdade de apontar algumas das virtudes humanas de Paulo, assim como se apresentam nas suas cartas, documentos que ele mesmo escreveu – ao menos alguns - sem alguma finalidade de auto-exaltar-se.
A primeira virtude que quero apontar é a gratuidade. Paulo fez questão de dizer, várias vezes, que não estava evangelizando por causa de alguma vantagem de dinheiro, ou de honrarias humanas. A “obrigação” de anunciar o Evangelho brotava simplesmente da impossibilidade de conter uma riqueza e uma verdade valiosas demais. Para não ser mal entendido, ou depender da comunidade, fez questão de prover às suas necessidades com um trabalho manual. Paulo ganhava o suficiente para sobreviver, com certeza não tanto para fazer negócios ou acumular dinheiro. A condição de trabalhador autônomo também proporcionava ao Apóstolo uma grande liberdade de ação e de pregação. Podia dizer, com toda honestidade, que servia somente ao Evangelho e aos irmãos ao encontro dos quais se sentia enviado. Hoje ouvimos falar bastante de “voluntariado”, de “amigos de...”. Muitas instituições honestas, que não tem condição de pagar, buscam parceiros generosos que coloquem um pouco do seu tempo e da sua profissionalidade a serviço de quem precisa. Parece que a grande maioria das pessoas esteja tão atarefada que não lhe sobra mais tempo para a dedicação gratuita aos outros, não tendo outra recompensa que o sorriso de uma criança carente e o “muito obrigado” de um idoso pobre e esquecido. É a suprema qualidade humana de ajudar os outros, de assumir compromissos, sem nos perguntar o que vamos ou iremos ganhar. O amor e a generosidade se pagam, por si mesmos.
Outra virtude semelhante, da qual Paulo zelava muito, foi a amizade. Não simplesmente o coleguismo ou o companheirismo que vêm das circunstâncias da vida, das festinhas de final de ano, ou das farras noturnas. Falo mesmo daquele sentimento que se torna doação e sacrifício. Paulo declara amar os seus amigos, aos quais tinha pregado o Evangelho, com laços semelhantes aos de uma mãe que acaricia os seus filhos pronta a dar a própria vidas para eles. Ou como um pai sempre capaz de exortar e animar os seus filhos. O que deveríamos ter de mais exemplar do que o amor generoso dos pais e de mais confiável do que a amizade deles com os próprios filhos? Pobre daquela família onde as pessoas convivem como estranhos debaixo do mesmo teto, sem sentimentos sinceros e sem a partilha das emoções e dos desafios que a vida reserva a todos. Paulo não tem receio de declarar os seus afetos, porque são puros, gratuitos e somente visam o bem dos amados.
Por fim, aponto a virtude de saber compreender os outros, colocando-se no lugar deles. Para conduzir as pessoas a Cristo, Paulo diz que procurou identificar-se com todos, fossem eles pagãos ou judeus, por exemplo. Nunca é fácil perceber o que passa na cabeça e no coração dos nossos semelhantes. Os pais acham que os filhos deveriam pensar e agir igual a eles; esquecem que os tempos são outros. Os filhos também raramente suportam as comparações com o passado e pouco se importam com a experiência e com esforço dos pais. Os mais abastecidos não entendem como é que os mais fracos demoram tanto para resolver questões tão simples. Os pobres têm certeza absoluta que se fossem ricos seriam mais felizes e juram que saberiam ajudar os necessitados. Os evangélicos teimam em considerar os católicos burros adoradores de imagens; e os católicos dificilmente se questionam sobre as motivações da busca de Deus, ou dos seus favores, em outras experiências religiosas. E assim poderíamos continuar.
Paulo antes de ser o grande Santo, venerado e admirado por todos, foi um grande homem. Todos nós deveríamos tentar sê-lo. Porque não dá mesmo para sermos santos de verdade sendo homens pela metade.
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