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Sarney diz que não errou e que não deixa presidência
Acuado por uma série de desvios administrativos dentro do Senado, o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), 79 anos, afirma que não errou ao indicar parentes para cargos na Casa e que não irá renunciar. Diz, sem citar nomes, suspeitar de sabotagem interna.
Considera necessário mudar regras, mas afirma que erros praticados no passado podem ficar sem punição, pois "cada um deve julgar o que fez de errado e de certo". Inquieto, mexendo os joelhos de maneira intermitente enquanto estava sentado em um sofá em seu gabinete, Sarney afirmou que vai "exercer [o cargo] até o fim".
A onda de escândalos no Congresso, que se intensificou na Legislatura iniciada em fevereiro, atingiu Sarney em cheio nos últimos dias. Rebate todas as acusações. Reafirma não ter percebido que recebia R$ 3.800 de auxílio-moradia por mês. A nomeação de um neto teria sido à sua revelia. Sobre as sobrinhas, considera não haver erro.
Durante 55 minutos de entrevista, o senador maranhense que se elege pelo Amapá tomou apenas meio copo de água. No meio da atual onda de escândalos, relata ter chegado a uma conclusão: "Há uma tendência de buscar democracia direta. Tudo aponta nesse sentido".
FOLHA - Como o sr. avalia a onda de escândalos envolvendo o Senado e o sr.?
JOSÉ SARNEY - A vida sempre me reservou desafios. A crise da democracia representativa está atingindo todos os Parlamentos no mundo inteiro.
FOLHA - Por culpa de quem?
SARNEY - A notícia em tempo real transformou o Parlamento, ele fica quase envelhecido. Em face disso há uma divergência de saber quem realmente representa o povo. É a mídia eletrônica, são as ONGs, é a sociedade civil ou os representantes eleitos? Esse é o grande problema que estamos vivendo.
FOLHA - O sr. contratou a Fundação Getúlio Vargas para fazer uma reforma administrativa no Senado. Agora, o sr. também tem aparecido em meio a acusações de comportamento impróprio. O que aconteceu?
SARNEY - Olha, eu acho que eu tenho um nome que deve ser julgado com respeito pelo país. Eu tenho uma biografia, nunca alguém associou minha vida pública ao nepotismo. Os fatos que colocaram estou mandando examinar. O que estiver errado, se corrija. Se eu tiver algum erro, eu sou o primeiro a corrigir. Mas acho que nunca conduzi de outra maneira que não fosse com correção.
FOLHA - E o caso do seu neto, contratado pelo senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA)?
SARNEY - Depois de eu ter sido tudo, se eu fosse acusado de ter nomeado um neto era realmente um julgamento que seria injusto. Eu não pedi ao senador. Disse isso e ele confirmou. E, se ele tivesse me consultado, teria sido o primeiro a dizer não.
FOLHA - Quando o sr. soube, qual foi sua reação?
SARNEY - Ele próprio saiu. Já era um problema a ser administrado pelo Cafeteira. O que a imprensa tem de entender é que aqui dentro do Senado temos 81 repartições. Cada senador é o chefe do seu gabinete. Quem nomeia é ele.
FOLHA - Seu neto saiu por conta do nepotismo, mas entrou no lugar a mãe dele. O sr. soube disso?
SARNEY - Eu não sou responsável pelo gabinete do Cafeteira.
FOLHA - O que o sr. acha da afirmação do senador Cafeteira de que nomeou seu neto por dever favores a seu filho, Fernando Sarney?
SARNEY - Você acha que eu, como presidente do Senado, tenho minha biografia, vou discutir uma coisa dessa? Não vou discutir um assunto desse. Minha resposta para vocês é essa.
FOLHA - E os outros casos relacionados ao sr.: duas sobrinhas empregadas em gabinetes de senadores, de Roseana Sarney (PMDB-MA) e de Delcídio Amaral (PT-MS).
SARNEY - Esse é um caso que está sendo estudado, porque parece que ele foi colocado agora. Eu pedi para ser investigado. Eu acho que há uma certa armação no caso da Roseana, na publicação de que foi ato secreto. Esse problema, que não é meu, a chefe de gabinete dela diz que os dados não conferem. Está sendo analisado.
FOLHA - E do Delcídio?
SARNEY - Do Delcídio, eu realmente pedi a ele, uma sobrinha da minha mulher, funcionária de carreira do Ministério da Agricultura, mudou-se para Mato Grosso do Sul, pedi que ela fosse requisitada para trabalhar no gabinete dele. Eu acho que não tem nenhum erro em ter feito esse pedido a ele.
FOLHA - Há atos secretos?
SARNEY - Estou convencido de que há muitas falhas, que pode ter havido não publicações. Vamos examinar.
FOLHA - O ex-diretor-geral do Senado Agaciel Maia disse que os senadores conheciam os atos secretos. É correta a afirmação?
SARNEY - Eu nunca soube.
FOLHA - Mas o que aconteceu? Os atos não eram públicos...
SARNEY - Não sei. Isso nós estamos tentando apurar.
FOLHA - Quando Agaciel deixou a direção-geral do Senado, o sr. o saudou pelos serviços prestados. Mantém a mesma opinião sobre ele?
SARNEY - É um assunto de ordem pessoal, de valor, que acho que não cabe numa entrevista.
FOLHA - Até agora, nenhum congressista foi punido e poucos devolveram dinheiro gasto indevidamente. Isso não produz uma sensação de impunidade?
SARNEY - A população pode até contestar a validade do Congresso. A democracia não vive sem Parlamento. E Parlamento fraco, desmoralizado, é desejo de segmentos da sociedade.
FOLHA - Esse enfraquecimento não ocorre por causa da resposta tímida dos congressistas? No episódio do auxílio-moradia pago indevidamente, inclusive ao sr., não seria o caso de todos devolverem o dinheiro?
SARNEY - Nunca tinha recebido auxílio-moradia. Recebi por oito meses. Mandei interromper ao saber. Quanto aos outros, cada um fará o seu julgamento.
FOLHA - O sr. devolveu o dinheiro ao Senado?
SARNEY - Vou ressarcir. Está em estudo como é que se deve proceder. Isso será um gesto pessoal, meu.
FOLHA - Os outros estão obrigados a devolver o dinheiro?
SARNEY - Não. Isso é uma decisão pessoal. Acho que é da lei. Eles estão usufruindo benefício que é extensivo ao funcionário público de maneira geral.
FOLHA - O Congresso é o maior responsável pela crise?
SARNEY - Sim, claro que o Congresso tem responsabilidade. Estamos num período de exaustão do modelo de democracia representativa. Há uma tendência de buscar uma democracia direta. Tudo aponta nesse sentido.
FOLHA - O sr. se arrepende de sua candidatura a presidente do Senado? Pensou em renunciar?
SARNEY - Não. Minha vida foi sempre feita de desafios. Vou exercer até o fim.
FOLHA - De todos os desvios que estão acusando o sr., qual o sr. considera erro mais grave?
SARNEY - Não tenho nenhuma responsabilidade sobre o auxílio-moradia. No caso da minha sobrinha, eu estou assumindo. Não cometi erro nenhum. Querer julgar toda a minha vida por eu ter pedido por uma sobrinha de minha mulher, acho extremamente errado, uma injustiça em relação a mim. Eu deveria ser julgado com mais respeito. Sou o parlamentar mais antigo neste país. Estou fazendo um esforço grande na minha idade.
FOLHA - Está sendo sabotado?
SARNEY - Não descarto essa hipótese. Até porque falam dos atos secretos, mas só aparecem os meus. Não tenho provas.
(Entrevista concedida a Fernando Rodrigues e Valdo Cruz/FOLHA DE S.PAULO)
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