sexta-feira, 3 de abril de 2009

Um gorila em Macapá

Texto produzido pela jornalista Sândala Barros na oficina sobre blogs ministrada por Fabio Malini, do Itaú Cultural, quarta-feira em Macapá.

Era uma tarde ensolarada de domingo na Macapá do passado, dos anos setenta época de poucas opções ou quase nada de lazer para jovens e adultos. A cidade apresentava um domingo quase morto, com o aspecto calmo e sem movimento que hoje só se revê nas fotografias amareladas pelo tempo e que compõem o acervo do amapaense que reflete a imagem de um historiador saudoso.

O único cinema da cidade, Cine Orange que só exibia filmes pornográficos e severamente vigiado para maiores de dezoito anos, teve um dia diferente.Os cartazes com ilustrações pornôs foram curiosamente substituidos. As pernas afastadas da “bonitinha mas ordinária” e os bochichos do “ultimo tango em Paris” cederam lugar para mostrar algo grande, preto e absurdamente peludo, o king- Kong.

A chegada do filme à cidade movimentou famílias inteiras. Pais, mães, tias, e grupos de amigos se empenharam na difícil tarefa de comprar os ingressos. A fila ocupou quarteirões. Entrar no cinema se tornou tarefa de gincana, um verdadeiro desafio para os mais ágeis e uma tarefa impossivel para os amapaenses mais lentos, após o açaí da tarde. Da porta de entrada do cinema, a fila chegou a frente do prédio da sede da ordem dos advogados, em frente a cidade e mesmo assim estava bem longe do fim. Quem saiu de casa ao meio dia para a sessão das duas, conseguiu por milagre assistir a sessão das quatro da tarde e outros que sairam de casa com o mesmo fim só conseguiram assistir a sessão das nove da noite.

Público e gorila gritavam juntos. O grande macaco, pelos ataques que sofria e o público pelo desespero de quase ser esmagado pelos apertos e pela vontade de querer entrar. Como um gorila enjaulado, o porteiro do cinema tentava inutilmente evitar a invasão. Após horas de agonia a porta do cinema se aproxima e se abre. O corre-corre em busca do lugar estratégico e da cadeira mais confortável foi inevitável.

Silêncio total. O filme começa, e a cara do gorila logo enche a tela assustando pais e filhos. Durante a exibição, entre um fio e outro de iluminação que saía do projetor era possivel vê os grandes olhos do gorila e os olhos grandes do público, que demonstrava não acreditar no que via à sua frente na grande tela. As pessoas que assistiam o filme saiam das sessões, mas, não conseguiam deixar a frente do cinema. Era como se um sentimento novo tivesse o efeito mágico de conter as pessoas por encantamento cultural.

Show de cenário, interpretação e novidade, embriagou o público carente de cultura e lazer de uma cidade pequena e hospitaleira que pela primeira vez entrou no mundo encantado da sétima arte.

Assim foi a passagem de um grande gorila por Macapá.