Ademir Pedrosa escreve:
Oi, Ana
Não conheço Bagé, sua cidade natal, de lá só conheço o “Analista de Bagé”, de Luis Fernando Veríssimo. Brincadeirinha. Mas conheço Encantado, onde você morou. No ano 2000, ou mais precisamente 19 de março – dia de São José, nosso Padroeiro – participamos do festival internacional de música do Mercosul, em Encantado, e ganhamos o 1º Lugar do VIII Canto da Lagoa, com a música “Nave Protonotária”, composição minha e de Cléverson Baía.
A música é de ritmo autóctone, do batuque do Igarapé do Lago daqui, cuja letra tem 89 versos em redondilha maior, e é uma retratação da linguagem do caboclo ribeirinho da Amazônia. A dançarina Nega Piedade, que fez a performance durante a música, ganhou o troféu “Destaque do Festival”. A crioula deu um show à parte, acompanhada pelo o rufar dos tambores de Nego Nena, Adelson Preto, Pedro Bolão e Nego Guto. Não é bacana? Viajamos de uma ponta a outra do País, e fomos contemplados com “Ouro” num dos festivais mais importantes do Brasil. Senti um puto orgulho de ser amapaense.
Chamar Encantado de bonito é redundante. O curioso é que em Encantado não há meninos de rua, nem nas ruas há mendigos; e a cadeia de lá está sempre de portas abertas, vazias; não há presos para ocupá-la. É um dos poucos municípios brasileiros com alto índice de qualidade de vida e com menor em analfabetismo, segundo a ONU. O povo é tri-legal e frade lóio, hospitaleiro. Isso é furtivos resquícios do estadista Leonel Brizola, que durante sua gestão, como governador, erradicou o analfabetismo naquele estado. Encantado é uma cidade bela, de belas mulheres; inclusive a Miss Brasil 2008, Natália Anderle, é de lá – muito prazer.
Durante o estádio em que estive lá, eu era tão feliz que me nasceu uma flor na lapela e uma namorada no braço. Conheci uma gaúcha encantada, com seu mesmo nome, Ana. E eu me apaixonei por ela. Ela tinha os olhos de cor híbrida – um olho verde-cintilante e outro de cor azul-turquesa. Nunca tinha visto nada igual. Fiquei mundiado com aquele olhar hipnotizador. Mas ela se recusou a vir pra Amazônia comigo. Disse que tinha medo de jacaré.
Seus pais são da região da Catalunha, na Espanha, e ela, além do peculiar sotaque gaúcho, tem também um sutil sotaque hispânico. Ela disse que gostava da minha fala carioquês, e me pediu que eu pronunciasse: barbaridade. Pronunciei, e ela riu à beça.
Vim embora, e nunca mais tive notícias da Ana. Numa cidade com pouco mais de 20 mil habitantes é bem capaz de você ter conhecido uma pequena com essas características somáticas: pele alvinha, alva de porcelana; cabelos de azeviche, negros da cor de ébano; os olhos híbridos; e de estatura mediana. Ela se chama Ana não sei de quê Tem gestos tímidos, mas álacres. Seu sorriso é espontâneo e admirável. Todas as vezes que ri, nascem-lhe duas covinhas na maçã do rosto, que dá vontade de comê-la – juro. A idade? Não sei precisar, talvez de quinze a trinta anos, por aí. Desde sempre erro essas adivinhações cabalísticas, paciência...
Ah, quase que me esqueci... ela tinha também um grácil estrabismo, que em vez de apoucar-lhe a beleza, dava-lhe mais charme ainda. Você pode achar que eu estava deveras mundiado por aquela moça, pois até mesmo o seu olho torto – e de olhar oblíquo – se constituía, para mim, numa beleza singular. A Ana era assim, sei lá... Se você conheceu ou conhece alguém assim, diga-lhe que os jacarés daqui são dóceis; e que eu nunca me esqueci dos seus olhos bicolores. Chau, Ana. Seja bem-vinda à Macapá.
Ademir Pedrosa
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